sábado, 10 de novembro de 2018

O Cristão e o Historiador


Como historiador, cabe-me o papel de Tomé; preciso ver para crer, pois, a Bíblia não se baseia num pressuposto de fé, mas na confrontação de dados empíricos e ideológicos selecionados, cruzados, seriados, todos fornecidos pela documentação, com as informações colocadas pela bibliografia concernente ao objeto de estudo, sempre no intuito de se fazer a relação do texto para com o contexto no qual ele foi produzido. Uma fonte historiográfica riquíssima, e não podendo ser desprezada pela erudição moderna, corre-se o risco de atitude preconceituosa e leviana, tendo em vista o seu valor na elaboração do mundo ocidental contemporâneo. Seus textos têm sido lidos como documentos históricos iguais a quaisquer outros - no caso, que preservam informações antigas e importantes ao mesmo tempo em que possuem uma redação tardia e tendenciosa. A leitura da Bíblia envolve a mobilização de instrumentos de crítica que ajudem a ler o documento de forma objetiva – procedimento igualmente aplicado a qualquer tipo de estudo histórico. Aceito-as como fonte histórica confiável. Encaro a no ponto de vista historiográfico. Tenho bem claro minha condição de cientista e mantenho neutralidade e equidade em relação aos fatos que analiso, não deixando minhas convicções religiosas ou de outrem, interferir em minhas análises sobre os eventos pesquisados. Sendo indiferente, neutro, ao julgar os fatos históricos, não é querer ser um novo Pilatos; entre Deus e o diabo, entre a Igreja e a anti-Igreja, é preciso tomar partido por Deus e pela Igreja, pela verdade.
A fé independe de evidências. Aliás até pelo contrário; não preciso de "fé" para acreditar na existência da lua, na gravidade ou no fato de que precisamos respirar, pois isso é evidente. Minha fé é justamente uma certeza sem evidências. Creio naquilo que as Escrituras Sagradas dizem. Não preciso me esforçar para crer na doutrina cristã. Apenas creio! Simples assim, como a água.

A Bíblia sagrada dos cristãos não advoga para si a definição de “Documento Histórico”, este conceito não era peculiar aos seus autores. Não se encontra em seus escritos apenas uma tentativa de fidelidade histórica, ainda que isto lhe seja inerente, mas é possível descobrir que seu interesse é religioso, ou seja, concepções religiosas permeiam a narrativa bíblica. A Bíblia não é em hipótese alguma um “Documento Histórico”, ainda que este conceito traga inquietação e perturbação, muito pelo contrário, não se pode domesticar o “texto sagrado” a um mero conceito, a Bíblia vai além de conceitos e formulações. Não se pode desprezar, porém, que isto se dá em um momento histórico definido, portanto, fé e história se entrelaçam, criando assim um ambiente riquíssimo para o historiador moderno.

O cristianismo tem evidências históricas que ratificam sua veracidade. A fé possui raízes históricas que não podem ser ignoradas. A própria Bíblia apresenta todo um conjunto de conceitos nos quais a fé veterotestamentária e neotestamentária são postas como tendo fundamento histórico. Creio e encontro todo um sistema de argumentação racional sobre a validade de minha crença, além do que posso encontrar, nos anais da história e nas descobertas arqueológicas, comprovações de muitas citações bíblicas sobre o modo de crer, viver, legislar etc. dos povos que viveram no tempo que estes escritores descreveram suas histórias ou comporam suas poesias e hinos.

Minha fé é pautada e nutrida tanto por uma visão teleológica da história como também por um forte senso sobre a realidade da providência divina. Está acima de qualquer ofício. E a moral exige que se defenda a verdade. E a verdade é que, na História, a Igreja é crucificada, como Jesus o foi no Calvário.

Antes de ser historiador, sou cristão. Quando eu morrer não serei julgado por Deus como historiador, mas como batizado. Não farei um exame profissional. Não tenho uma confiança cega, por ausência de evidências, ou mesmo diante delas. E, como historiador, não estou destruindo minha fé em nenhum momento, e abandonando os paradigmas deste ofício em prol da defesa da fé. A ciência não anula a fé. Não existe conflito entre fé e ciência. Infelizmente, a ciência tem a capacidade de abordar apenas o que é material, e tentar utilizar a ciência para negar a fé é fazer mal-uso do método científico além de demonstrar uma ignorância histórica sem precedentes.

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