A morte normal é realmente um processo tranquilo - algo que podemos
reconhecer, para o qual podemos nos preparar e algo com o que podemos lidar'.
A sociedade nos leva a evitar falar desse processo e... a substituir a
palavra "morte" por eufemismos. E isso torna muito mais difícil lidar
com a perda de um ente querido.
Nós deixamos de falar sobre a morte. Deixamos de usar a palavra 'morrer'
e passamos a usar outras similares. Em vez de 'morto', dizemos 'falecido'. Em
vez de dizer que alguém está morrendo, dizemos que ele está 'muito doente'. ...
Quando se usam essas palavras, as famílias não entendem que está se aproximando
o momento da morte. Isso é um grande problema porque, quando a família está
junto ao leito de alguém prestes a morrer, não sabe o que dizer entre si ... - ou
para o próprio doente, que também não sabe o que dizer ou o que esperar.
Trata-se de uma cena marcada por tristeza, ansiedade e desesperança. Não
precisa ser assim.... Acho que perdemos a imensa sabedoria humana de aceitar a
morte de um modo normal.
Acho que é hora de voltar a falar da morte e recuperar essa sabedoria.
Como é morrer normalmente? Assim como nascer, é apenas um processo.
Gradualmente, a pessoa vai se cansando, se esgotando.
À medida que o tempo passa, ela vai dormindo mais, passa menos tempo
acordada. A família pode ir aprendendo sobre os melhores momentos para dar os
medicamentos (ao paciente) ou deixar as visitas entrarem.
Pode acontecer de visitantes ou familiares encontrarem o paciente
dormindo. E muitas vezes pode estar acontecendo uma mudança que é pequena,
porém muito significativa. É que, em vez de estar dormindo, a pessoa pode estar
temporariamente inconsciente. Não podemos acordá-la nem dar a ela o
medicamento. Não podemos dizer que chegou uma visita.
Ainda assim, quando ela acorda, ela conta que teve um bom sono. Então
ficamos sabendo que esse estado de coma não foi aterrorizante. Simplesmente não
percebemos esse lapso à inconsciência no momento em que ele ocorre.
À medida que o tempo passa, essa pessoa passa menos tempo acordada, mais
tempo dormindo, até que, no final, fica inconsciente o tempo todo.
Essas pessoas estão tão relaxadas que nem se darão ao trabalho de
pigarrear, limpando a garganta, então pode ser que a respiração passe por
pequenas quantidades de muco ou saliva na parte de trás da garganta. Isso pode
causar um ruído estranho, que muitos chamam de 'estertor da morte' (death
rattle, em inglês).
As pessoas falam desse som como se fosse algo terrível, mas esse som, na
verdade, me diz que o paciente está tão profundamente relaxado, e em um estado
de consciência tão profundo, que sequer a saliva na garganta o incomoda enquanto
as bolhas de ar entram e saem dos pulmões. Então, bem no finzinho da vida,
haverá um período de respiração superficial, e uma expiração que não será
seguida por uma inspiração. Às vezes é algo tão suave que os familiares sequer
percebem.
Por isso, a morte normal é realmente um processo tranquilo - algo que
podemos reconhecer, para o qual podemos nos preparar e algo com o que podemos
lidar. E isso deveria ser algo a ser celebrado. Algo com o que podemos nos
consolar uns aos outros.
Mas por muitos considerarem indelicado falar sobre a morte, isso virou,
de fato, o segredo mais bem guardado da medicina. Por isso, na minha opinião,
morrer é algo que deveríamos recuperar, algo sobre o que deveríamos falar e nos
consolar mutuamente.
http://www.bbc.com/portuguese/geral-43690170
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