Para
alguns evangélicos, estar na igreja se transformou numa experiência dolorosa
que os tem levado para cada vez mais longe da presença de Deus
Se
o mundo jaz no maligno, a Igreja do Senhor Jesus na terra deveria ser uma porta
de esperança para os aflitos. Um hospital para os doentes da alma. Uma fonte de
amor para os rejeitados e sofridos. Deveria ser a expressão da vontade de Deus
neste mundo. Deveria, mas nem sempre é.
Infelizmente,
há casos – e não poucos – em que muitas congregações se perdem no propósito de
servir a Deus. Carregadas por líderes tiranos, manipuladores e dominadores,
elas se tornam terrenos férteis para todo tipo de abuso espiritual – um termo
ainda pouco debatido na teologia, mas muito conhecido e doloroso para quem dele
se torna vítima.
Especialistas
definem o abuso espiritual como o uso da posição de liderança ou de poder para
seduzir, influenciar e manipular as pessoas a fim de alcançar interesses
próprios. Quem pratica é muito hábil para passar a impressão de que aquilo que
querem é do interesse de Deus e de Sua obra, quando, na realidade, é para
satisfazer o ego. Já quem é vítima desse sistema pode demorar anos para se
libertar e carregar por um bom tempo as marcas de dor, tristeza e revolta por
ter sido abusado. Há quem forme grupo de autoajuda na internet, outros procuram
psicólogos, terapeutas e psicanalistas, há quem se afaste da igreja e de Deus,
e há casos extremos em que muitos fiéis entram em depressão, desenvolvem
doenças graves e chegam até a cometer suicídio.
As
igrejas onde o estilo de liderança é hierarquizado, onde o líder tem que dar
conta da vida dos liderados, onde existe o ensino de que ‘eu só posso viajar se
meu líder deixar’, ‘só posso comprar se meu líder autorizar’, são ambientes
mais vulneráveis à manipulação. Isso é perigoso. Quando o líder dita as regras,
se torna um prato cheio para a manipulação. Além de gerar dependência
emocional, imaturidade e problemas familiares, esse tipo de comportamento
também pode se transformar numa revolta contra Deus.
Há
casos, porém, em que a vítima de abuso resolve abandonar tudo, entregar-se à
depressão e até tirar a própria vida.
O
tipo mais comum de abuso é o financeiro, quando o líder utiliza a Bíblia para
se autofavorecer. Muitas pessoas que são abençoadas pelo pastor querem
retribuir com presentes. É natural. O problema é quando isso passa dos limites
e quando o líder passa a se ver como merecedor desses agrados e começa até a
pedi-los.
Os
assédios emocional e espiritual são mais sutis. O pastor humilha o fiel diante
da congregação, tratando-o como um rebelde, um insubmisso, apenas porque ele
ousou questionar um pensamento.
Todo
tipo de abuso espiritual é oriundo de três fontes: a necessidade de poder, a
necessidade de fama e a necessidade de dinheiro. Não é em nome de Deus que isso
acontece, mas em nome desses três deuses. Tais líderes procuram apresentar a
instrução num formato baseado no terrorismo. Começam as imposições, que nada
têm a ver com a Bíblia. Então, a pessoa que não possui fundamento doutrinário
fica prisioneira ao que ouviu impositivamente.
Pessoas
deixam de frequentar esse tipo de congregação. Saem de ministérios assim, por
conta dos direcionamentos autoritários ou amedrontadores. As pessoas precisam
de ajuda psicológica e serem acolhidas amorosamente para se sentirem livres.
Afinal de contas, Jesus nos diz que, se conhecermos a verdade, ela nos
libertará. Tem que fazer um trabalho de acolhimento profundo, de companheirismo
cristão.
A
busca por fama, dinheiro e poder não é exclusiva das lideranças de hoje. A
Bíblia está repleta de exemplos de autoridades religiosas, até porta-vozes de
Deus, que sucumbiram a esse desejo. Um episódio se passa no Evangelho de Mateus
(20:20-21), quando a mãe dos discípulos Tiago e João pede a Jesus que, com a
chegada do Reino, seus dois filhos pudessem “se assentar” um à esquerda e outro
à direita, numa tentativa de ter autoridade sobre os outros.
No
entanto, Jesus foi rápido para ensinar que o modelo, no Reino de Deus, não era
esse: “Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais
exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem
quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser
o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”,
afirmou Jesus (Mateus 20:24-28).
O
apóstolo Pedro também deu uma orientação semelhante, em sua primeira epístola:
“Apelo aos presbíteros que há entre vocês (…)
pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele,
não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por
ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhe
foram confiados, mas como exemplo para o rebanho” (1 Pe 5:1-3).
Há
uma forma de escapar da tentação da dominação. Quando a pessoa é chamada para o
ministério, não está vacinada contra todas essas tentações. Tem que pautar a
vida na total dependência do Espírito Santo. O líder de uma igreja deve ter
vida devocional.
O
grande desafio do líder é fazer com que as pessoas aprendam a se relacionar com
Deus, a depender de Deus e não entregar suas decisões à liderança. Hoje,
infelizmente, vivemos na geração fast-food, que quer tudo rápido, fácil e
pronto. Ninguém quer ter esforço, e relação com Deus demanda esforço. É mais
fácil ir atrás de um guru e se sujeitar à manipulação. O que tem de ser
combatido é a idolatria a líderes, pastores, apóstolos e afins.
É
necessário buscar ambientes saudáveis, com uma teologia contextualizada, que
faça uma leitura do mundo baseada na graça, no amor, no perdão, olhando sempre
para Jesus. Combater a idolatria ao líder a todo custo. Pastores são seres
humanos, falíveis, fracos, e precisam ser tratados como tal.
Hoje,
talvez neste momento, há muitos que se encontrem debaixo desse jugo do abuso
espiritual. Reconhecer essa condição é o primeiro passo para os que buscam se
livrar desse tipo de relacionamento. Decidir se libertar e perdoar os
abusadores pode ser um processo difícil e demorado, mas é ele que conduz à
liberdade que Cristo conquistou na cruz para cada um de nós.
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