quinta-feira, 8 de setembro de 2011

África, cristianismo, Cultura, Nomes e Alcunhas

O presente texto surge a propósito de uma reportagem de Gabriel Veloso (Rádio Luanda, 01/09/11) sobre nomes e alcunhas. A peça analisou as implicações sociais da identidade do indivíduo, a partir da semiótica. Falaram um cristão, um sociólogo e um jurista. São de elogiar trabalhos jornalísticos do género, e mal não fariam em incluir um antropólogo.
Uns de raiz tradicional, outros baseados em adjectivos e mitos. Assim é o vasto mosaico de nomes, num país com 17 milhões de habitantes (70% cristãos), e pelo menos oito grupos etnolinguísticos de matriz Bantu, sem esquecer os Khoisan, pré Bantu, e os de origem ocidental.
O cristão recomendou para a escolha de nomes positivos, pois estes podem determinar o carácter, a personalidade e o futuro. Para impor a fórmula, socorreu-se da bíblia, onde a figura de Jacob acaba sendo enganadora, conforme o significado do nome. Falou até em genética, ilustrando que se dermos à criança nome de um familiar que tenha sido bruxo ou feiticeiro, o será de certeza. O «Azarado» tem uma vida de azares. Os que se chamam Mãezinha ou Paizinho sentir-se-ão inferiores para o resto da vida, asseverou.
O sociólogo estabeleceu uma relação de «causa - efeito» mais no sentido da chacota de que o nome pode ser alvo, levando como tal o indivíduo a sentir-se pouco à vontade no seu meio. Por sua vez o jurista disse não haver impedimentos quanto ao registo de nomes tidos como caricatos, oriundos da sociedade angolana, como é óbvio, com uma ou outra excepção. O alerta do crivo recai para nomes estrangeiros.
Via de regra, na formação dos nomes oficiais vem primeiro o de baptismo (bíblico, ocidental), seguido do nome de família (ou ao menos nativo). Há, entretanto, o inverso da regra entre os bakongo, na região norte de Angola. Um interessante artigo sob o título «Os nomes ou cognóminos Kikongos» circulou em alguns portais, da autoria do auto-assumido tradicionalista, Makuta Nkondo. Também publicamos (aqui e aqui) o contributo do livro «O Meu Pai», de Avelino Sayango, na divulgação da tradição Ovimbundu.
O cristão foi de um maniqueísmo da era medieval, caracterizada por uma civilização cristã cega de etnocentrismo. Não se aceita, neste século XXI, que fazedor de opinião que se preze exale tamanha leviandade. Mesmo que não se trate de invenção sua, há que deixar claro o que é senso comum e/ou mito, e não vendê-los capciosamente como verdades acabadas.
Um historiador amigo lamentou que a “cultura” cristã siga dando pouca oportunidade à percepção da rica cultura material do povo Bakongo, onde até os instrumentos musicais (masikilo) são associados à feitiçaria. De tal sorte que a marimba e o kisanji não podem tocar num templo, lugar exclusivo do piano e guitarra.
Não haja dúvidas, um cristianismo que ignore a antropologia e seu enquadramento com a modernidade corre o risco de se desconhecer a si próprio, porque é sem memória.


Gociante Patissa, Luanda-Benguela, 01-06/09/11

Um comentário:

  1. "Caríssimo, [Fratermaurício]Paz e Bem!" É sempre um prazer interagir consigo e não vejo inconveniente em partilhar o texto. Um abraço grande

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