sexta-feira, 2 de outubro de 2020

As Três Dimensões da Vida Humana


Gostaria de usar como assunto para minha pregação: “As três dimensões de uma vida completa”. Sabem, diziam lá em Hollywood que para que um filme seja completo, deve ter três dimensões. 
Esta manhã, quero passar para cada um de vocês isto: que a própria vida, para ser completa, deve ser tridimensional. 

Há muitos e muitos séculos, viveu um homem chamado João, que estava aprisionado numa ilha muito solitária e distante chamada Patmos. Ocorre que eu mesmo já estive na prisão o suficiente para saber que é uma experiência de muita solidão. Quando se está encarcerado numa situação semelhante, você se vê privado de quase todas as liberdades – salvo a liberdade de pensar, a liberdade de orar, a liberdade de refletir e meditar. E enquanto João estava lá naquela prisão da ilha solitária ele ergueu seu olhar para o mais alto céu e viu, descendo dali, um novo céu e uma nova terra. O capítulo 21 do livro das revelações começa assim: “E eu vi um novo céu e uma nova terra. E eu, João, vi a cidade santa, a nova Jerusalém que descia do céu de junto de Deus”. 

E uma das maiores glórias dessa nova cidade de Deus vista por João foi sua completude. Ela não se resumia a um lado e outro, mas era completa em todas as três dimensões. Assim, nesse mesmo capítulo, se olharmos no verso 16, João diz: “O comprimento e a largura e a altura dela são iguais”. Em outras palavras, essa nova cidade de Deus, essa nova cidade da humanidade ideal não é uma entidade desequilibrada, mas sim completa de todos os lados. Acho que João está dizendo algo aqui através do simbolismo de seu texto e do simbolismo desse capítulo. Ele está dizendo, no fundo, que a vida como deveria ser, que a melhor vida é uma vida completa de todos os lados. 

Há três dimensões de qualquer vida completa às quais podemos aplicar as palavras desse texto com total propriedade: comprimento, largura e altura. O comprimento da vida, na acepção que usaremos aqui é a preocupação íntima pelo nosso bem estar, em outras palavras, é aquele cuidado que nos impulsiona e leva a atingir nossas metas e ambições. A largura da vida, aqui, é a preocupação externa pelo bem estar dos outros. E a altura da vida é a busca que se eleva para Deus. É preciso ter os três para se ter uma vida completa. 

Consideremos por um momento o comprimento da vida. Disse que essa era a dimensão da vida onde nos preocupamos em desenvolver nossas capacidades internas. De certa forma esta é a dimensão egoísta da vida. Existe algo a que chamamos auto-interesse racional e sadio. Um grande rabino, o falecido Joshua Leibman, escreveu um livro intitulado Paz de Espírito. Há ali um capítulo intitulado “Ame a si mesmo adequadamente”. O que ele preconiza nesse capítulo, em resumo, é que antes de poder amar ao próximo satisfatoriamente, é preciso amar a si mesmo de forma adequada. Muitas pessoas não se amam. Elas passam pela vida envoltas em conflitos emocionais profundos e persistentes. Assim, o comprimento da vida significa que você deve amar a si mesmo. 

Sabem o que significa amar a si mesmo? Significa que é preciso aceitar a si mesmo. Muitas pessoas se ocupam de tentar ser alguém diferente. Deus deu a todos nós algo de significativo. Devemos rezar todos os dias e pedir a Deus que nos ajude a aceitar quem somos. E quero dizer aceitar tudo. Muitos negros têm vergonha de si mesmos, vergonha de serem negros. O negro deve se levantar e dizer do fundo de sua alma “Eu sou alguém. Eu tenho uma herança rica, nobre, e digna. Não importa o quão explorado e o quanto minha história tenha sido dolorosa. Sou negro, mas sou negro e bonito”. É isso o que temos que dizer. Temos que nos aceitar. E devemos rezar: “Senhor, Ajude-me a me aceitar todos os dias, ajude-me a aceitar minhas ferramentas”. 

Lembro-me de quando estava na faculdade. Fiz o curso de Sociologia, e todos que estavam se graduando em Sociologia tinham que cursar uma matéria chamada estatística. A estatística pode ser muito complicada. É preciso ter uma mente matemática, sólido conhecimento de geometria, e saber calcular média, moda e mediana. Nunca me esquecerei. Estava fazendo esse curso e tinha um colega que realmente sabia fazer aquilo; ele fazia a lição de casa em uma hora. Íamos para o laboratório ou oficina e ele resolvia tudo aquilo em uma hora e estava livre. Eu tentava fazer o que ele fazia, tentava terminar em uma hora. Quanto mais tentava fazer em uma hora, mais bomba levava no curso. Tive que chegar a uma conclusão muito difícil. Tive que parar e dizer a mim mesmo “Escute Martin Luther King, Leif Cane tem uma mente melhor que a sua”. Às vezes é preciso reconhecer. E tive que dizer a mim mesmo: “Ele pode fazer em uma hora, mas eu levo duas ou três para fazer o mesmo”. Não estava disposto a me aceitar. Não estava disposto a aceitar minhas ferramentas e limitações. 

Mas a vida cobra de nós que façamos isso mesmo. Um Ford Ka tentando se passar por um Cadilac é um absurdo, mas se um Ford se aceita enquanto tal, pode fazer muitas coisas que um Cadilac nunca poderia fazer: entrar em vagas onde um Cadilac jamais caberia. E na vida alguns de nós são Fords e outros Cadilacs. Moisés diz no Salmo das Verdes Pastagens “Senhor, não sou grande coisa, mas sou tudo que tenho”. O princípio da auto-aceitação é um princípio básico da vida. 

Outro aspecto sobre o comprimento da vida: depois de nos aceitarmos e às nossas ferramentas, devemos descobrir qual é nosso chamado. E depois de descobrir qual é, devemos nos empenhar nessa tarefa com todas as forças e todo o poder de que dispomos. Depois de descobrir o que Deus nos chamou a fazer, depois de descobrir qual é o trabalho de nossa vida, devemos sair e fazer isso tão bem que nem os vivos, nem os mortos, nem os que estão para nascer possam fazer melhor. Isso não quer dizer que todos vão fazer as coisas ditas grandes, importantes da vida. Muito poucas pessoas se elevarão à altura de gênios das artes e das ciências, coletivamente poucos chegarão a certas profissões. A maioria de nós terá que se contentar em trabalhar nos campos, nas fábricas e nas ruas. Mas devemos ver a dignidade de todos os trabalhos. 

Quando estive em Montgomery, Alabama, sempre ia a uma loja de calçados chamada Golden Shoe Shop. Havia um sujeito ali que engraxava meus sapatos. Que experiência era, ver aquele sujeito engraxar meus sapatos! Ele pegava aquele trapo, e tirava música daquilo. Eu pensava comigo mesmo: “Esse sujeito é Ph.D. em engraxar sapatos”.

O que estou dizendo a vocês esta manhã, amigos, é: mesmo que seja seu destino ser um varredor de rua, vá até lá e varra as ruas como Michelangelo pintava; varra as ruas como Handel e Beethoven compunham música; varra as ruas como Shakespeare escrevia poesia; varra as ruas tão bem a ponto das hostes angélicas e terrenas serem obrigadas a parar e dizer: “Aqui viveu um grande varredor de rua que fazia um trabalho muito bem feito”. 

Se não puder ser um pinheiro no alto da montanha, seja uma touceira no vale – mas seja a melhor touceira do sopé da montanha. 
Seja um arbusto se não puder ser árvore. Se não puder ser rodovia, seja uma trilha.
Se não puder ser o sol, seja estrela; não é pelo tamanho que se vence ou fracassa – Seja o melhor daquilo que você é. 

Quando conseguir isto, quando o fizer, terá dominado a comprimento da vida. 

Este impulso adiante, em direção à plena auto-realização, é o fim da vida de uma pessoa. Mas não é tudo. Vocês sabem, muitas pessoas não chegam além do comprimento na vida. Desenvolvem suas potencialidades internas, fazem um bom trabalho. No entanto, tentam viver como se ninguém mais vivesse no mundo além delas. E usam as outras pessoas como meros instrumentos para chegar onde querem. Não amam ninguém além de si mesmos. O único tipo de amor que nutrem pelos outros é um amor utilitário. Vocês sabem como é, só amam pessoas que podem ser úteis. 

Muitos não vão além da primeira dimensão da vida. Usam os outros como meros degraus que galgam para alcançar suas ambições. Estas pessoas não funcionam bem na vida. Podem chegar a um certo ponto, podem pensar que estão indo bem, mas há uma lei. No universo da física eles a chamam de lei da gravidade, e ela funciona, é definitiva, inexorável. Tudo que sobe, desce. Você colhe o que semeia. Deus estruturou o universo dessa forma. Aquele que passa pela vida sem preocupar-se com o outro ficará sujeito a essa lei, será uma vítima dela. 

Assim avançamos para dizer que é preciso adicionar largura ao comprimento. A largura da vida é a preocupação externa pelo bem-estar dos outros, como disse antes. Um homem ainda não começou a viver enquanto não conseguir se elevar para além dos limites estreitos de suas preocupações individuais em direção às preocupações mais amplas da humanidade como um todo. 

Certa vez Jesus fez uma parábola. Vocês se lembrarão dela. Havia um homem que veio até ele para conversar sobre questões muito profundas, e por fim chegou à pergunta: “Quem é o meu próximo?” Esse sujeito queria debater a questão com Jesus. A pergunta poderia muito bem terminar em nada, como um debate teológico ou filosófico. Mas, vocês se lembram, Jesus pegou aquela questão e a colocou numa curva perigosa a meio caminho entre Jerusalém e Jericó. Ele contou sobre um homem que caiu na mão de assaltantes. Dois homens passaram, mas depois seguiram caminho. Depois chegou um outro homem, membro de uma outra raça, que parou e ajudou. E a parábola termina dizendo que esse bom samaritano era um grande homem. Ele era bom porque se preocupava com outras coisas além de si mesmo. 

Mas, vocês sabem, há muitas idéias sobre o por quê do padre e do levita terem passado sem ajudar o homem caído na beira da estrada. Há muitas idéias a esse respeito. Alguns dizem que os dois estavam indo a um ritual religioso, um pouco atrasados, sabem, e não podiam chegar tarde no templo, de modo que seguiram porque queriam chegar lá em baixo na sinagoga. Outros dizem que eram sacerdotes, e conseqüentemente havia uma lei eclesiástica que os proibia de tocar num corpo humano durante vinte e quatro horas antes de administrar um sacramento, ou o que quer que seja, antes do serviço religioso. Mas, há uma outra possibilidade. Pode ser que eles rumassem para Jericó para organizar uma Associação de Melhoria da Estrada de Jericó. Essa é outra possibilidade. E eles passaram porque entenderam que era melhor tratar da causa do problema do que atender ao caso isolado daquela vítima. É uma possibilidade. 

Mas quando me lembro dessa parábola, penso em outra possibilidade, recorrendo à minha imaginação. Pode ser que esses homens passaram pelo outro lado porque estavam com medo. Sabem, a estrada de Jericó é perigosa. Estive lá e sei do que estou falando. Nunca esquecerei. A Sra. King e eu estivemos na Terra Santa há algum tempo. Alugamos um carro e fomos de Jerusalém até Jericó, que ficam a uma distância de mais ou menos dezesseis milhas uma da outra. Quando você pega a estrada, vê que é uma estrada tortuosa, cheia de curvas fechadas, ideal para assaltos. Eu disse à minha esposa: “Agora sei porque Jesus escolheu essa estrada como cenário para a parábola”. Quando se sai de Jerusalém estamos a 2.200 pés acima do nível do mar, e quando se chega a Jericó, depois de andar 16 milhas, estamos a 1.200 pés abaixo do nível do mar. Durante o tempo de Jesus aquela estrada ficou conhecida como o “Caminho Sangrento”. De modo que quando penso no sacerdote e no levita, penso que estes irmãos estavam com medo. 

Eles eram iguaizinhos a mim. Estava indo para a casa de meu pai em Atlanta outro dia. Ele mora a 3 ou 4 milhas da minha casa, e o caminho é pela Rua Simpson. Quando voltei à noite, irmãos, (esta rua é muito tortuosa) vi um sujeito lá fora sinalizando para eu parar. Senti que ele precisava de ajuda, sabia que ele precisava de ajuda (risos). Mas não soube. Serei honesto com vocês, toquei em frente (risos). Não estava disposto a correr o risco. 

Digo a vocês esta manhã que a primeira pergunta a passar pela cabeça do sacerdote naquela Estrada de Jericó em Atlanta, conhecida como Rua Simpson, foi: “Se eu parar para ajudar esse homem, o que acontecerá comigo?”. Mas o bom samaritano passou e fez a pergunta ao contrário. Não pensou: “O que acontecerá comigo se ajudar esse homem?”, mas “O que acontecerá a esse homem se eu não o ajudar?”. Por esse motivo o Samaritano foi bom e grande. Era grande porque estava disposto a se arriscar pela humanidade; estava disposto a perguntar “O que acontecerá a esse homem?”, e não “O que acontecerá comigo?”. 

Isto é o que Deus precisa hoje: Homens e mulheres que se perguntem: O que acontecerá à humanidade se eu não ajudar? O que acontecerá ao movimento de direitos civis se eu não participar? O que será da minha cidade se eu não votar? O que acontecerá aos doentes se eu não os visitar? Assim é que Deus julga as pessoas em última análise. 

Haverá um dia - e nesse dia a pergunta não será “Quantos prêmios você recebeu na vida?” Não nesse dia. Não será: “Quão popular você era no seu círculo social?” Não será essa a pergunta nesse dia. Ninguém perguntará quantos diplomas você tem. A pergunta esse dia não girará em torno de ser doutor ou não ser doutor. A pergunta nesse dia não será se sua casa é bonita. A pergunta não será se você tem muito dinheiro, ou se tem ações e dividendos. Não será “Que carro você tem?”. Nesse dia a questão será: “O que você fez pelos outros?”. 

Posso ouvir alguém dizendo: “Senhor, fiz muitas coisas na vida. Fui um bom profissional, o mundo reconheceu o ótimo trabalho que fiz. Fiz muitas coisas, Senhor, fui para a escola e estudei muito. Juntei muito dinheiro, Senhor, foi isso que fiz. E parece que ouço o Senhor da Vida dizendo: “Mas eu estava com fome e não me alimentaste. Estava doente e não me visitaste. Estava nu e não me cobriste. Estava na prisão e não me deste atenção. Saia então da minha presença. O que fizeste pelos outros?”. Essa é a largura da vida. 

Em algum lugar ao longo do caminho devemos aprender que não há nada maior do que fazer algo pelos outros. Esse é o caminho que decidi trilhar pelo resto dos meus dias. É isso que me interessa. John, se você e Bernard estiverem por perto quando eu chegar aos últimos dias e ao momento de cruzar o rio Jordão, quero que digam a todos que fiz um pedido: Não quero um funeral longo. Não quero elegia, nada maior que um ou dois minutos. Espero viver tão bem o resto dos meus dias – não sei o quanto vou viver, e isso não me preocupa – mas espero viver tão bem que o oficiante possa se levantar e dizer: “Ele foi fiel,” Só isso me basta. Esse é o sermão que eu gostaria de ouvir. “Foi um trabalho bem feito, você foi um servidor bom e fiel. Você foi fiel, preocupou-se com os outros”. É nessa direção que quero ir daqui até o fim dos meus dias. “O que entre vós for maior, será vosso servo”. Quero ser um servidor. Quero ser uma testemunha do Senhor, fazer algo pelos outros. 

E ao fazer algo pelos outros, não se esqueça de que você só tem o que tem por causa dos outros. Sim, senhor, não se esqueça disso. Estamos todos amarrados juntos na vida e no mundo. E talvez você pense que conseguiu tudo sozinho. Mas antes de chegarem aqui na igreja esta manhã, já dependiam de meio mundo. Vejamos, você se levanta pela manhã e vai até o banheiro, pega um pedaço de sabonete, que existe graças aos franceses. Usa uma esponja que veio de uma ilha do Pacífico. Depois vai até a cozinha para o desjejum: Uma xícara de café, que lhe é servida por alguém da América do Sul. Ou talvez um pouco de chá, que chegou até aqui por obra dos chineses. Ou você pode querer chocolate, que chega até sua xícara pelas mãos de um africano. O pão lhe é dado por um fazendeiro americano, com a ajuda do padeiro. Antes de terminar o café da manhã, já depende de mais de meio mundo. É assim que Deus estruturou as coisas; é assim que Deus estruturou o mundo. Preocupemo-nos com os outros, porque dependemos dos outros. 

Mas não pare por aí. Muitas pessoas dominam o comprimento da vida, e dominam a largura da vida, mas param aí. Se a vida tem que ser completa, devemos ir além dos nossos interesses. Devemos ir além da humanidade e procurar acima, buscar o Deus do universo cujos propósitos nunca mudam. 

Muitas pessoas se descuidaram dessa terceira dimensão. E o mais interessante é que a negligenciam sem sequer se darem conta. Simplesmente se envolvem com outras coisas. Vocês sabem que há dois tipos de ateísmo. O ateísmo é a teoria de que não há Deus. Um é o ateísmo teórico; quando o sujeito senta e começa a pensar no assunto e chega à conclusão de que Deus não existe. O outro é o ateísmo prático, que acontece quando vamos vivendo como se não houvesse um Deus. Muita gente afirma a existência de Deus com os lábios, mas nega sua existência na vida. Vocês já viram essas pessoas com pressão alta de credos e anemia de atos. Negam a existência de Deus com suas vidas e simplesmente acabam muito envolvidas com outras coisas. Envolvem-se demais com a tentativa de engordar sua conta bancária. Envolvem-se muito em ter uma bela casa, que todos deveríamos ter. Envolvem-se tanto em conseguir um lindo carro que se esquecem de Deus. Há os que se envolvem tanto em ver as luzes da cidade que inconscientemente se esquecem de levantar e olhar para a grande luz cósmica e pensar nela – que se levanta no leste toda manhã e atravessa o céu num movimento sinfônico que tinge de anil o firmamento – uma luz que nenhum homem pode fabricar. Envolvem-se tanto na contemplação dos arranha-céus, o Loop of Chicago ou o Empire State Building de Nova Iorque, que inconscientemente se esquecem de pensar nas montanhas gigantescas que beijam os céus, como que para banhar seus picos no imenso azul – algo que o homem jamais conseguiria fazer. Estão tão ocupados pensando sobre radares e televisão que se esquecem, sem querer, de pensar nas estrelas que engalanam os céus como lanternas da eternidade, aquelas que parecem alfinetes muito, muito brilhantes espetados na magnífica almofada de azul profundo do céu noturno. Estão tão envolvidos pensando no progresso humano que se esquecem de pensar na necessidade do poder de Deus ao longo da história. No fim acabam passando dias e dias sem saber que Deus não está com eles. 

Estou aqui hoje para dizer a vocês que nós precisamos de Deus. O homem moderno talvez saiba muita coisa, mas seu conhecimento não prescinde de Deus. Digo a vocês esta manhã que Deus está aqui para ficar. Alguns teólogos estão tentando dizer que Deus está morto. E tenho feito perguntas a eles porque me perturba saber que Deus morreu e não fui ao seu funeral. Eles não conseguiram me dizer ainda a data do óbito, nem quem foi o legista que assinou o atestado. Não conseguiram me dizer ainda onde está enterrado. 

Quando penso em Deus, sei o seu nome. Ele disse em algum lugar lá no Velho Testamento: “Quero que você vá lá, Moisés, e diga a eles que aquele que se chama “EU SOU” o enviou. Ele disse assim para deixar claro, para que soubessem que “meu último nome é igual ao primeiro ‘EU SOU AQUELE QUE É’ ”. Deixe isto claro: “EU SOU”. E Deus é o único no universo que pode dizer “EU SOU” e ponto final. Todos nós aqui temos que dizer “Eu sou por causa de meus pais; eu sou por causa das condições ambientais; eu sou por causa de certos fatores hereditários; eu sou por causa de Deus”. Deus é o único que pode dizer “EU SOU” e parar aí. E Ele chegou para ficar. Que ninguém nos faça sentir que não precisamos de Deus. 

Concluindo o sermão desta manhã, quero dizer que devemos procurá-lo. Fomos feitos para Deus, e não encontraremos paz até que estejamos com Ele. Esta é a fé pessoal que me anima. Não me preocupo com o futuro. Mesmo em relação a esta questão racial. Não estou preocupado. Estive no Alabama outro dia, e fiquei pensando naquele estado onde trabalhamos tanto e que continua elegendo pessoas do tipo de Wallace. E no meu estado, na Geórgia, há um outro governador insano chamado Lester Maddox. E tudo isso pode deixar-nos confusos, mas não me preocupa. Porque o Deus que venero é um Deus que encontra uma forma de dizer mesmo a reis e governadores: “Parai, e reconhecei que sou Deus”. Deus ainda não se virou para Lester Maddox e Lurleen Wallace. Em algum lugar eu li que “Do Senhor é a terra e tudo que ela encerra”, e vou caminhando porque tenho fé Nele. Não sei o que o futuro nos guarda, mas sei quem guarda o futuro. E se Ele nos guiar e segurar a nossa mão, avançaremos. 

Lembro-me que em Montgomery, Alabama, tive uma experiência que gostaria de partilhar com vocês. Quando estávamos em meio ao boicote dos ônibus, havia uma maravilhosa senhora que chamávamos de Irmã Pollard. Ela era uma senhora fantástica de setenta e dois anos que ainda trabalhava. Durante o boicote andava todos os dias, ida e volta do trabalho. Alguém parou perto dela um dia e disse: “Não quer uma carona?” Ela respondeu: “Não”. E o motorista seguiu, mas então brecou o carro, voltou e perguntou: “Não está cansada?” E ela respondeu: “Sim, meus pés estão cansados, mas minha alma está descansada”. 

Ela era uma senhora maravilhosa. Certa vez, eu tinha tido uma semana muito difícil, telefonemas ameaçadores chegaram durante todo o dia e a noite anterior, e comecei a fraquejar e perder a coragem. Nunca me esquecerei que na segunda-feira fui ao comício sentindo-me muito desanimado e com um pouco de medo, pensando se realmente iríamos vencer a luta. Subi para fazer meu discurso naquela noite, mas não saiu forte e poderoso. Depois da reunião Irmã Pollard chegou para mim e disse: “Filho, o que aconteceu com você? Não falou com força essa noite”. 

Eu respondi: “Não há nada errado, Irmã Pollard, Estou bem”. 

Ela disse: “Você não me engana. Tem alguma coisa errada com você”. E seguiu, dizendo: “Os brancos fizeram alguma coisa que você não gostou?”. 

Eu respondi: “Vai ficar tudo certo, Irmã Pollard.” 

E ela concluiu: “Chegue mais perto e deixe que lhe diga mais uma vez, e dessa vez quero que me ouça. Mesmo que nós não estejamos com você, o Senhor está. O Senhor tomará conta de você”. 

Passei por muitas coisas desde aquele dia. Vivi muitas experiências desde aquela noite em Montgomery, Alabama. Irmã Pollard morreu. Estive aprisionado mais de dezoito vezes. Escapei por pouco da morte nas mãos de uma mulher negra ensandecida. Minha casa foi bombardeada três vezes. Vivo, desde aquele dia, sob constante ameaça de morte. Tive muitas noites frustrantes e confusas. Mas não deixo de ouvir as palavras de Irmã Pollard: “Deus tomará conta de você”. Hoje posso encarar qualquer homem, qualquer mulher com os pés bem firmes no chão e a cabeça alta porque sei que quando estamos do lado da verdade, é Deus quem trava a nossa luta. 

“Ainda mais escura poderá ficar a noite, ainda mais dura poderá ficar a luta. Simplesmente levante-se e lute pelo que é correto”. Parece que posso ouvir uma voz dizendo-nos esta manhã: “Levante-se e lute pelo que é correto. Levante-se e lute pelo que é justo. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”. Sim, eu vi o relâmpago cair. Ouvi o trovão ribombar. Senti ondas de pecado se quebrando, tentando conquistar a minha alma. Mas ouvi a voz de Jesus me dizendo para continuar a luta. Ele prometeu nunca me abandonar, nunca me deixar sozinho. Não, sozinho nunca. Sozinho nunca. Prometeu nunca me deixar, nunca me deixar só. E prossigo acreditando nisso. Estendam seus braços, e procurem a altura da vida. 

Você talvez não consiga definir Deus em termos filosóficos. Muitos ao longo das eras tentaram falar sobre ele. Platão disse que ele era o Bem Arquitetônico. Aristóteles o chamava de Movedor Inemovível. Hegel o denominava Todo Absoluto. E houve um homem chamado Paul Tillich que o chamou Ser em Si. Não precisamos saber estas palavras grandiloqüentes. Talvez precisemos conhecê-lo e descobri-lo de outra forma. Um dia você se levantará e dirá que “Eu o conheço porque ele é um lírio do vale. Ele é uma estrela matutina. Ele é um hibisco. Ele é um machado de guerra da Babilônia”. E em algum ponto você dirá simplesmente: “Ele é meu tudo. Ele é minha mãe e meu pai. Ele é o amigo dos que não têm amigos”. Ele é o Deus do universo. Se você crer nele e o adorar, algo acontecerá à sua vida. Você sorrirá quando outros à sua volta estiverem chorando. Este é o poder de Deus. 

Vão. Amem a si mesmos de forma racional e com saudável cuidado de si. Este é um mandamento. Este é o comprimento da vida. Depois sigam o preceito de amar ao próximo como a ti mesmo. Este é um mandamento. Esta é a largura da vida. Mas há um primeiro mandamento ainda maior: Amar o Senhor teu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todas as suas forças. Acredito que um psicólogo diria simplesmente: com toda a sua personalidade. E quando fizer isso, terá a altura da vida. 

Ao conseguir estas três dimensões juntas, poderá caminhar sem se cansar jamais. Poderá olhar para cima e ver as estrelas matutinas cantando em coro, e os filhos de Deus clamando em júbilo. Quando estas três dimensões trabalharem juntas na sua vida, o entendimento fluirá como as águas, e a justiça como uma torrente. 

Quando essas três dimensões estiverem juntas, o carneiro se deitará com o leão. 

Quando estiverem reunidas, todos os vales serão elevados e todos os montes e montanhas rebaixados; os lugares escarpados ficarão planos e os caminhos tortuosos se farão retos; e a glória de Deus será revelada e toda a carne, reunida, a verá. 

Quando estas três dimensões estiverem funcionando em conjunto, você só fará aos outros aquilo que gostaria que fizessem a você. 

Quando isto acontecer, você perceberá que de um sangue Deus fez todos os homens para habitarem, juntos, a face da terra. 

Quando isto acontecer... (fim da gravação) 

Martin Luther King Jr.
Fonte: http://seatletimes.nwsource.com 
Traduzido por Tônia Van Acker
Associação Palas Athena

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário.