'Agora a fé é a evidência das
coisas não vistas' (Hebreus
11:1)
1. Por
muitos anos, tem sido permitido, por homens de sensibilidade, que 'não
existe coisa alguma no entendimento que não seja primeiramente percebida por
alguns dos sentidos'. Todo conhecimento que nós naturalmente temos é
originalmente derivado de nossos sentidos. E, portanto, aqueles que se privam
de algum deles não podem ter o menor conhecimento ou idéia de seus dos objetos;
já que eles nunca enxergaram, não têm o menor conhecimento ou concepção da luz
ou cores. De fato, nos últimos anos, alguns têm se esforçado para provar que
nós temos idéias inatas; não derivadas de alguns dos sentidos, mas
contemporâneas do entendimento. Esta questão tem sido agora totalmente
discutida por homens dos mais eminentes raciocínios e aprendizado. E
concorda-se, através de todas as pessoas imparciais, que, embora algumas coisas
sejam tão claras e óbvias, de modo que nós dificilmente podemos evitar
conhecê-las, tão logo usamos de nosso entendimento, ainda assim, o conhecimento
mesmo dessas não é inato, mas derivado de alguns de nossos sentidos.
2. Mas existe uma grande
diferença entre nossos sentidos, considerados como vias de acesso de nosso
conhecimento. Alguns deles têm uma esfera muito estreita de ação; alguns uma
esfera mais extensa. Pelo tato, nós discernimos apenas aqueles objetos
que tocam algumas partes de nosso corpo; e, conseqüentemente esse sentido se
estende apenas a um número pequeno de objetos. Nossos sentidos de gosto
e cheiro (o que alguns consideram formas de tato) estendem-se a um
número ainda menor. Mas, por outro lado, nosso nobre sentido do ouvir
tem uma esfera excessivamente larga de ação; especialmente, no caso de sons
fortes, como um trovão, o rugido do mar, ou o disparo de um canhão; o último
dos quais tem sido freqüentemente ouvido a uma distância de aproximadamente
centenas de milhas. Mesmo assim, o espaço, ao qual o próprio ouvir se estende é
pequeno, se comparado àquele através do qual as vistas se estendem. A visão
toma, em uma só vista, não apenas os mais ilimitados panoramas na terra, mas
também a lua, e os outros planetas, o sol, sim, as estrelas fixas; mesmo que a
uma distância incomensurável; que aparecem não maiores, através de nossos mais
finos telescópios, do que o fazem a olho nu.
3. Mas,
ainda assim, nenhum de nossos sentidos; não, nem mesmo a própria visão, pode
alcançar, além dos limites do mundo visível. Eles nos suprem com tal
conhecimento do mundo material, como a responderem todos os propósitos da vida.
Mas como esse foi o objetivo para o qual eles nos foram dados; para mais além
disto, eles não podem ir. Eles nos abastecem com nenhuma informação, afinal,
concernente ao mundo invisível.
4. Mas o sábio e gracioso Governador
dos mundos, visível e invisível, tem preparado um reparo para esse defeito. Ele
tem apontado a fé para
suprir o defeito do sentido; para nos levar para o alto, onde os sentidos nos
colocam para baixo; e nos ajudar, com respeito ao grande abismo. Sua tarefa
começa, onde aquela dos sentidos termina. Os sentidos são uma evidência das
coisas que são vistas; do visível, do mundo material, e das diversas partes
dele. A fé, por outro lado, é a 'evidência das coisas que não
são vistas'; do mundo invisível; daquelas coisas invisíveis que são
reveladas nos oráculos de Deus. Mas, de fato, eles nada revelarão; eles serão
meras letras mortas, se não vierem 'misturados com a fé, naqueles que
os ouvem'.
5. Em particular, a fé é
uma evidência, para mim, da existência daquela coisa invisível, que é a minha
própria alma. Sem isto, eu estaria completamente incerto, com respeito a ela.
Mas, através da fé, eu sei que ela é um espírito imortal, feito
na imagem de Deus; na sua imagem natural e moral; 'uma imagem incorruptível
do Deus da glória'. Pela mesma
evidência, eu sei que eu ainda não alcancei a gloriosa imagem de Deus; sim, que
tanto eu, quanto toda a humanidade, estamos 'mortos nas transgressões e
pecados': Tão completamente mortos, que, 'em mim, não habita coisa alguma
boa'; que eu estou inclinado a todo mal, e totalmente incapaz de vivificar
minha própria alma.
6. Por
meio da fé, eu sei que além das almas dos homens, existem outras
classes de espíritos; sim, eu acredito que milhões de criaturas caminham na
terra, invisíveis, quer estejamos acordados ou dormindo. Esses eu denomino de
anjos, e acredito que parte deles é santa e feliz; e outra parte é pecaminosa e
miserável. Eu creio que os primeiros desses, os anjos bons, são continuamente
enviados por Deus 'para ministrarem aos seus herdeiros da salvação'; que
serão 'como anjos', mais tarde, embora eles sejam agora um pouco
inferiores a eles. Eu acredito que os anjos do mal, chamados nas Escrituras,
demônios, unidos debaixo de um só comando, (denominado nas Escrituras, Satanás;
enfaticamente o inimigo; o adversário de Deus e homem) tanto percorrem as
regiões superiores; de onde são chamados 'príncipes do poder do ar'; ou
como ele, caminham pela terra, como 'leões que rugem, buscando aqueles a
quem eles possam devorar'.
7. Mas
eu sei, pela fé, que acima de todos esses, está o Senhor Jeová;
Ele que é, foi, e será; aquele que é Deus, para todo o sempre; e de um mundo
sem fim; Ele que preencheu os céus e terra; Ele que é infinito no poder, na
sabedoria, na justiça, na misericórdia e santidade; Ele que criou todas as
coisas, visíveis e invisíveis, através do sopro de sua boca, e ainda sustem a
todos; preserva suas existências. 'pela palavra de seu poder'; e que
governa todas as coisas que estão acima nos céus, e abaixo na terra, e debaixo
da terra. Pela fé eu sei que 'existem três que testemunham
nos céus: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo'; e que 'esses Três são
Um'; que a Palavra, Deus o Filho, 'foi feito carne', viveu e morreu
para nossa salvação; ressuscitou, ascendeu aos céus e está sentado à direita do
Pai. Pela fé eu sei que o Espírito Santo é o doador de
toda vida espiritual; da retidão, paz, e alegria no Espírito de Deus; da
santidade e felicidade, pela restauração daquela imagem de Deus, por meio da
qual fomos criados. De todas essas coisas, a fé é a evidência, a
única evidência, para os filhos dos homens.
8. E,
assim como as informações que recebemos de nossos sentidos não se estendem ao
mundo invisível; também não se estendem (ao que está aproximadamente relatado
aqui) - ao mundo eterno. Apesar de todas as instruções que tanto a visão, ou
quaisquer dos sentidos possam dispor, os sentidos não nos permitem descobrir 'os
segredos do abismo infinito'. Este, o mundo eterno, principia-se na morte;
a morte de cada pessoa individualmente. No momento em que cessa no homem o
fôlego da vida, ele passa a ser um habitante da eternidade. Exatamente, quando
o tempo se desfaz, 'como um sonho, quando alguém acorda'. E aqui,
novamente, a fé supre o lugar dos sentidos, e nos dá uma visão
das coisas que estão por vir: De imediato, ela coloca de lado o véu que havia
entre a existência mortal e imortal. A fé revela a nós as almas
dos justos, imediatamente recebidas pelos anjos santos, e levadas para aqueles
espíritos que ministram, no seio de Abraão; nas delícias do paraíso; nos
jardins de Deus, onde a luz de seu semblante brilha perpetuamente. Onde ele
conversa, não apenas com os antepassados, amigos e soldados seguidores, mas com
os santos de todas as nações, e todas as épocas; com os mortos gloriosos de
nossos dias passados; com o nobre exército de mártires – Os Apóstolos, os
Profetas, os Patriarcas, Abraão, Isaac e Jacó: Sim, acima de tudo isto, ele
estará com Cristo, de uma maneira que ele não pôde estar, enquanto permaneceu
no corpo.
9. Ela
revela, igualmente, as almas dos homens descrentes; presas, no momento em que
elas deixam os lábios trêmulos, pelos ministros da vingança; os anjos
demoníacos; e arrastadas para seus lugares próprios. É verdade, que este não é
o mais baixo inferno: elas não serão atormentadas lá, 'depois do tempo';
depois do fim do mundo, quando todos irão receber a sua justa recompensa. Até
lá, elas provavelmente serão empregadas, por seus mestres perversos, para fazer
crescer seu reino infernal, causando todo dano que estão em seu poder, nos
pobres e fracos filhos dos homens. Mas, onde quer que elas busquem descanso,
ainda não encontrarão. Elas carregam consigo seu próprio inferno; na
inquietação que nunca cessa; na consciência da culpa; e na ira de Deus, que
continuamente esvazia seus espíritos; nos temperamentos diabólicos e infernais,
que são a miséria essencial; e dos quais elas não podem se livrar; não, nem por
uma hora; não mais do que elas podem livrar de suas próprias existências, --
aquele 'olhar de terror, por causa da indignação feroz que irá devorar os
adversários de Deus'.
10. Além disso, a fé desvenda uma
outra cena, no mundo eterno; ou seja, a vinda de nosso Senhor, nas nuvens dos
céus, para 'julgar ambos os vivos e os mortos'. Ela nos capacita a ver 'o
grande trono, descendo dos céus, e Ele que está sentado nele; de cuja face os
céus e terra fogem, sem encontrarem lugar'. Nós vemos 'os mortos,
pequenos e grandes, de pé, diante de Deus'. Nós vemos 'os livros
abertos, e os mortos sendo julgados, de acordo com as coisas que estão escritas
neles'. Nós vemos a terra e o mar desistindo de seus mortos; e o inferno
(ou seja, o mundo invisível), desistindo dos mortos que lá estavam, e todos
sendo julgados de acordo com suas obras.
11. Através
da fé, nos são mostradas as conseqüências imediatas do julgamento
geral. Nós vemos a execução daquela sentença alegre, pronunciada sobre aqueles
que estão à direita:'Venham, abençoados de meu Pai, herdeiros do reino
preparado para vocês, desde a criação do mundo!'. Depois do que, os anjos
santos tocam suas harpas e cantam: 'Ergam-se, Ó portões, e mantenham
erguidas suas portas eternas, para que os herdeiros da glória possam entrar!'.
E, então, eles deverão beber dos rios de prazer que estão à direita de Deus,
para sempre. Nós vemos, igualmente, a execução daquela terrível sentença,
pronunciada sobre aqueles que estão à esquerda: 'Retirem-se, vocês
amaldiçoados, para o fogo eterno, preparado para os demônios e seus anjos'. E,
então, os ministros da vingança divina os mergulham dentro 'do lago de fogo
ardente, com enxofre; onde eles não terão descanso, dia ou noite, mas a fumaça
de seus tormentos ascenderão para sempre e sempre'.
12.
Mas, além do mundo invisível e eterno que não é visto, e que é revelado apenas
pela fé, existe todo um sistema de coisas que não são vistas, e
que não podem ser discernidas, através de nossos sentidos externos. Eu estou
falando do mundo espiritual; compreendendo, por meio disto, o reino de Deus na
alma do homem: 'Os olhos não vêem; os ouvidos não ouvem; nem o coração do
homem poderá conceber, a menos que' as coisas do reino interior
sejam reveladas, através do Espírito de Deus. O Espírito Santo nos prepara para
seu reino interior, removendo o véu de nosso coração, e nos capacitando a conhecermos
a nós mesmos, assim como somos conhecidos por ele; através do 'nosso
convencimento do pecado', e da nossa natureza, temperamento, palavras e
ações pecaminosos; todos parceiros da corrupção do coração, de onde fluem. Ele,
então, nos convence do deserto de nossos pecados; de modo que nossa boca é
fechada; e somos constrangidos a nos declararmos culpados, diante de Deus. Ao
mesmo tempo, em que 'recebemos o espírito de escravidão, através do medo';
do temor da ira de Deus; do temor da punição que merecemos; e, acima de tudo,
do temor da morte, a fim de que não sejamos conduzidos à morte eterna. As almas
que estão sendo assim convencidas sentem que elas são levadas rapidamente para
a prisão, de onde não poderão seguir adiante. De imediato, se sentem completamente
pecadoras; completamente culpadas; e completamente desamparadas. Mas toda essa
convicção implica em uma espécie de fé, sendo 'a evidência das
coisas que não são vistas'; e nem, de fato, seriam possíveis de serem
vistas, ou conhecidas, sem que Deus as revelassem a nós.
13. Mas,
que seja ainda cuidadosamente observado (já que esse não é um ponto de menor
importância) que essa fé é
apenas a fé de um servo, e não a fé de um filho.
Porque este é um ponto que muitos não entendem claramente; e eu vou me esforçar
para torná-lo um pouco mais claro. A fé de um servo implica em
uma evidência do mundo eterno e invisível; sim, uma evidência do mundo
espiritual, tanto quanto ele pode existir, pela experiência da vida. Quem quer
que tenha alcançado isto, a fé de um servo, 'teme a Deus e
foge do diabo'; ou, como foi expresso por Pedro, 'teme a Deus e opera
retidão'. Em conseqüência disto, ele é, em algum grau, como o Apóstolo
observa, 'aceito com Ele'. Em outra parte, está descrito nestas
palavras: 'Ele que teme a Deus, e mantém seus mandamentos'. Mesmo aquele
que chegou tão longe na religião; que obedece a Deus, por medo, não deverá, de
maneira alguma, ser desprezado; vendo que 'temer ao Senhor é o começo da
sabedoria'. Não obstante, ele deve ser exortado a não parar por ai; não
descansar, até que obtenha a adoção de filho;
até que obedeça a Deus por amor, o que é o privilégio de todos os filhos
de Deus.
14. Exortá-lo,
através de todos os meios possíveis, a seguir em frente, até que caminhe 'de
uma fé a outra'; da fé de um servo, para a fé
de um filho; do espírito de escravidão, pelo medo, para o espírito de amor
pueril: Ele terá, então, 'Cristo revelado em seu coração', capacitando-o
a testificar que 'a vida que eu agora vivo na carne, é a vida pela fé
no Filho de Deus, que me amou e se deu por mim', -- a fala correta de um
filho de Deus. Ele irá, então, 'nascer de Deus'; interiormente mudado
pelo poder de Deus, de uma mente mundana, sensual, demoníaca, para 'a mente
que estava em Jesus Cristo'. Ele irá experimentar o que Paulo quer dizer
por aquelas palavras notáveis aos Gálatas: 'Vocês são os filhos de Deus,
pela fé, e porque são seus filhos, Deus enviará o Espírito de seu Filho
aos seus corações, clamando, Abba, Pai'. 'Ele que crê', como a um
filho (como João observa) 'tem o testemunho em si mesmo'. 'O próprio
Espírito testemunha com seu espírito que ele é um filho de Deus'. O amor de
Deus transborda em seu coração, pelo Espírito Santo que é dado a ele'.
15.
Mas muitas dúvidas e medos podem ainda permanecer; mesmo nos filhos de Deus,
enquanto eles estão fracos na fé; enquanto eles são o que Paulo
denomina de 'bebês em Cristo'. Mas, quando a sua fé é
fortalecida; quando eles recebem a moradia do testemunho do Espírito, as
dúvidas e medos desaparecem. Eles, então, desfrutam da 'completa segurança
da fé'; que exclui todas as dúvidas e medo 'que os estavam
atormentando'. Para esses que ele chama de jovens, João diz, 'Eu
tenho escrito a vocês, jovens, porque são fortes, e a palavra de Deus habita em
vocês, e vocês têm dominado sobre o fraco'. Esses, o Apóstolo observa, em
outro verso, 'têm a palavra de Deus habitando neles'. O que
provavelmente significa 'a palavra redentora'; a palavra que fala
que todos os seus pecados foram
perdoados. Em conseqüência disto, eles têm consciência do favor divino, sem
qualquer intermissão.
16. A
esses mais especialmente nós podemos aplicar a exortação do Apóstolo Paulo:
'deixando os primeiros princípios da doutrina de Cristo', ou seja,
arrependimento e fé, 'sigamos até a perfeição'. Mas, em
que sentido nós devemos 'deixar esses princípios?'. Não, de maneira
absoluta, já que devemos reter tanto um quanto o outro; o conhecimento de nós
mesmos e o conhecimento de Deus, até o fim de nossas vidas: Mas apenas
comparativamente; não fixando, como fizemos a princípio, toda nossa atenção
sobre eles; pensando e falando perpetuamente de nada mais, a não ser do
arrependimento, assim como da fé. Mas o que é a 'perfeição', de que se fala aqui? Não é apenas a libertação
das dúvidas e medos, mas do pecado; de todo pecado interior, tanto quanto
pecado exterior; dos desejos e temperamentos pecaminosos, assim como das
palavras e obras pecaminosas. Sim, e não se trata de uma benção negativa, uma
libertação de todas as disposições diabólicas implícitas naquela expressão, 'eu
circuncidarei o teu coração'; mas de uma benção positiva igualmente; mesmo
a de colocar todas as boas disposições no lugar; claramente implícita naquela
outra expressão, 'Para amar ao Senhor seu Deus, com todo seu coração, e toda
a sua alma'.
17. Estes
são os que o Apóstolo João dá o título nobre de Pais, que 'têm
conhecido a Ele, que existe desde o princípio'; o eterno Deus da Trindade.
Um desses expressa-se assim: 'Eu testemunho comigo a verdade experimental e
a plenitude da presença da sempre abençoada Trindade'. E esses que são pais
em Cristo, geralmente - embora que eu acredite que nem sempre - desfrutam da
'completa segurança da esperança'; tendo não mais dúvida reinando com ele
na glória, do que se eles já o tivessem visto vir, por entre as nuvens dos
céus. Mas isto não impede o contínuo crescimento deles, no conhecimento e amor
de Deus. Enquanto eles 'se regozijam mais e mais; oram sem cessar; e em tudo
dão graças', eles oram em particular, para que eles nunca cessem de vigiar,
de negarem a si mesmos, de tomarem suas cruzes diariamente, para lutarem a boa
luta da fé; e contra o mundo, o diabo, e suas próprias enfermidades múltiplas;
até que eles sejam capazes de 'compreender, com todos os santos, qual o
comprimento, largura, altura e profundidade; e para que conheçam aquele amor de
Cristo que passa conhecimento'; sim, 'para que sejam cheios, com toda a
plenitude de Deus'.
John Wesley, Yarm, 11 de Junho de 1788.
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