"É possível acreditar em Deus usando a razão",
afirma William Lane Craig. O filósofo e teólogo defende o cristianismo, a
ressurreição de Jesus e a veracidade da Bíblia a partir de construção lógica e
racional, e se destaca em debates com pensadores ateus.
Por que deveríamos acreditar em Deus?
Porque os argumentos e evidências que apontam para a Sua
existência são mais plausíveis do que aqueles que apontam para a negação.
Vários argumentos dão força à ideia de que Deus existe. Ele é a melhor
explicação para a existência de tudo a partir de um momento no passado finito,
e também a para o ajuste preciso do universo, levando ao surgimento de vida
inteligente. Deus também é a melhor explicação para a existência de deveres e
valores morais objetivos no mundo. Com isso, quero dizer valores e deveres que
existem independentemente da opinião humana.
Se Deus é bondade e justiça, por que ele não criou um
universo perfeito onde todas as pessoas vivem felizes?
Acho que esse é o desejo de Deus. É o que a Bíblia ensina. O
fato de que o desejo de Deus não é realizado implica que os seres humanos
possuem livre-arbítrio. Não concordo com os teólogos que dizem que Deus
determina quem é salvo ou não. Parece-me que os próprios humanos determinam
isso. A única razão pela qual algumas pessoas não são salvas é porque elas
próprias rejeitam livremente a vontade de Deus de salvá-las.
Alguns cientistas argumentam que o livre-arbítrio não
existe.
Se esse for o caso, as pessoas poderiam ser julgadas por
Deus?
Não, elas não poderiam. Acredito que esses autores estão
errados. É difícil entender como a concepção do determinismo pode ser racional.
Se acreditarmos que tudo é determinado, então até a crença no determinismo foi
determinada. Nesse contexto, não se chega a essa conclusão por reflexão
racional. Ela seria tão natural e inevitável como um dente que nasce ou uma
árvore que dá galhos. Penso que o determinismo, racionalmente, não passa de
absurdo. Não é possível acreditar racionalmente nele. Portanto, a atitude
racional é negá-lo e acreditar que existe o livre-arbítrio.
O senhor defende em seu site uma passagem do Velho
Testamento em que Deus ordena a destruição da cidade de Canaã, inclusive autorizando
o genocídio, argumentando que os inocentes mortos nesse massacre seriam salvos
pela graça divina. Esse não é um argumento perigosamente próximo daqueles
usados por terroristas motivados pela religião?
A teoria ética desses terroristas não está errada. Isso,
contudo, não quer dizer que eles estão certos. O problema é a crença deles no
deus errado. O verdadeiro Deus não ordena atos terroristas e, portanto, eles
estariam cometendo uma atrocidade moral. Quero dizer que se Deus decide tirar a
vida de uma pessoa inocente, especialmente uma criança, a Sua graça se estende
a ela.
Se o terrorista é cristão o ato terrorista motivado pela
religião é justificável, por ele acreditar no Deus 'certo'? Não é suficiente
acreditar no deus certo. É preciso garantir que os comandos divinos estão sendo
corretamente interpretados. Não acho que Deus dê esse tipo de comando hoje em
dia. Os casos do Velho Testamento, como a conquista de Canaã, não representam a
vontade normal de Deus.
O sr. está querendo dizer que Deus também está sujeito a
variações de humor?
Não é plausível esperar que pelo menos Ele seja consistente?
Penso que Deus pode fazer exceções aos comandos morais que dá. O principal
exemplo no Velho Testamento é a ordem que ele dá a Abraão para sacrificar seu
filho Isaque. Se Abraão tivesse feito isso por iniciativa própria, isso seria
uma abominação. O deus do Velho Testamento condena o sacrifício infantil. Essa
foi uma das razões que o levou a ordenar a destruição das nações pagãs ao redor
de Israel. Elas estavam sacrificando crianças aos seus deuses. E, no entanto,
Deus dá essa ordem extraordinária a Abraão: sacrificar o próprio filho Isaque.
Isso serviu para verificar a obediência e fé dele. Mas isso é a exceção que
prova a regra. Não é a forma normal com que Deus conduz os assuntos humanos.
Mas porque Deus é Deus, Ele tem a possibilidade de abrir exceções em alguns
casos extremos, como esse.
O sr. disse que não é suficiente ter o deus certo, é preciso
fazer a interpretação correta dos comandos divinos. Como garantir que a sua
interpretação é objetivamente correta?
As coisas que digo são baseadas no que Deus nos deu a
conhecer sobre si mesmo e em preceitos registrados na Bíblia, que é a palavra
d'Ele. Refiro-me a determinações sobre a vida humana, como "não
matarás". Deus condena o sacrifício de crianças, Seu desejo é que amemos
uns ao outros. Essa é a Sua moral geral. Seria apenas em casos excepcionalmente
extremos, como o de Abraão e Isaque, que Deus mudaria isso. Se eu achar que
Deus me comandou a fazer algo que é contra o Seu desejo moral geral, revelado
na escritura, o mais provável é que eu tenha entendido errado. Temos a
revelação do desejo moral de Deus e é assim que devemos nos comportar.
O sr. deposita grande parte da sua argumentação no conteúdo
da Bíblia. Contudo, ela foi escrita por homens em um período restrito, em uma
área restrita do mundo, em uma língua restrita, para um grupo específico de
pessoas. Que evidência se tem de que a Bíblia é a palavra de um ser
sobrenatural?
A razão pela qual acreditamos na Bíblia e sua validade é
porque acreditamos em Cristo. Ele considerava as escrituras hebraicas como a
palavra de Deus. Seus ensinamentos são extensões do que é ensinado no Velho
Testamento. Os ensinamentos de Jesus são direcionados à era da Igreja, que o
sucederia. A questão, então, se torna a seguinte: temos boas razões para
acreditar em Jesus? Ele é quem ele diz ser, a revelação de Deus? Acredito que
sim. A ressurreição dos mortos, por exemplo, mostra que ele era quem afirmava.
Existem provas que confirmem a ressurreição de Jesus?
Temos boas bases históricas. A palavra 'prova' pode ser
enganosa porque muitos a associam com matemática. Certamente, não temos prova
matemática de qualquer coisa que tenha acontecido na história do homem. Não
temos provas, nesse sentido, de que Júlio César foi assassinado no senado
romano, por exemplo, mas temos boas bases históricas para isso. Meu argumento é
que se você considera os documentos do Novo Testamento como fontes da história
antiga, - como os historiadores gregos Tácito, Heródoto ou Tucídides - o
evangelho aparece como uma fonte histórica muito confiável para a vida de Jesus
de Nazaré. A maioria dos historiadores do Novo Testamento concorda com os fatos
fundamentais que balizam a inferência sobre a ressurreição de Cristo. Coisas
como a sua execução sob autoridade romana, a descoberta das tumbas vazias por
um grupo de mulheres no domingo depois da crucificação e o relato de vários
indivíduos e grupos sobre os aparecimentos de Jesus vivo após sua execução. Com
isso, nos resta a seguinte pergunta: qual é a melhor explicação para essa
sequência de acontecimentos? Penso que a melhor explicação é aquela que os
discípulos originais deram - Deus fez Jesus renascer dos mortos. Não podemos
falar de uma prova, mas podemos levantar boas bases históricas para dizer que a
ressurreição é a melhor explicação para os fatos. E como temos boas razões para
acreditar que Cristo era quem dizia ser, portanto temos boas razões para
acreditar que seus ensinamentos eram verdade. Sendo assim, podemos ver que a
Bíblia não foi criação contingente de um tempo, de um lugar e de certas
pessoas, mas é a palavra de Deus para a humanidade.
O textos da Bíblia passaram por diversas revisões ao longo
do tempo. Como podemos ter certeza de que as informações às quais temos acesso
hoje são as mesmas escritas há 2.000 anos?
Além disso, como lidar com o fato de que informações podem
ser perdidas durante a tradução?
Você tem razão quanto a variedade de revisões e traduções.
Por isso, é imperativo voltar às línguas originais nas quais esses textos foram
escritos. Hoje, os críticos textuais comparam diferentes manuscritos antigos de
modo a reconstruir o que os originais diziam. O Novo Testamento é o livro mais
atestado da história antiga, seja em termos de manuscritos encontrados ou em
termos de quão próximos eles estão da data original de escrita. Os textos já
foram reconstruídos com 99% de precisão em relação aos originais. As incertezas
que restam são trivialidades. Por exemplo, na Primeira Epístola de João, ele
diz: "Estas coisas vos escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra".
Mas alguns manuscritos dizem: "Estas coisas vos escrevemos, para que o
nosso gozo se cumpra". Não temos certeza se o texto original diz 'vosso'
ou 'nosso'. Isso ilustra como esse 1% de incerteza é trivial. Alguém que
realmente queira entender os textos deverá aprender grego, a língua original em
que o Novo Testamento foi escrito. Contudo, as pessoas também podem comprar
diferentes traduções e compará-las para perceber como o texto se comporta em
diferentes versões.
possível explicar a existência de Deus apenas com a razão?
Qual o papel da ciência na explicação das causas do
universo? A razão é muito mais ampla do que a ciência. A ciência é uma
exploração do mundo físico e natural. A razão, por outro lado, inclui elementos
como a lógica, a matemática, a metafísica, a ética, a psicologia e assim por
diante. Parte da cegueira de cientistas naturalistas, como Richard Dawkins, é
que eles são culpados de algo chamado 'cientismo'. Como se a ciência fosse a
única fonte da verdade. Não acho que podemos explicar Deus em sua plenitude,
mas a razão é suficiente para justificar a conclusão de que um criador
transcendente do universo existe e é a fonte absoluta de bondade moral.
Por que o cristianismo deveria ser mais importante do que
outras religiões que ensinam as mesmas questões fundamentais, como o amor e a
caridade?
As pessoas não entendem o que é o cristianismo. É por isso
que alguns ficam tão ofendidos quando se prega que Jesus é a única forma de
salvação. Elas pensam que ser cristão é seguir os ensinamentos éticos de Jesus,
como amar ao próximo como a si mesmo. É claro que não é preciso acreditar em
Jesus para se fazer isso. Isso não é o cristianismo. O evangelho diz que somos
moralmente culpados perante Deus. Espiritualmente, somos separados d'Ele. É por
isso que precisamos experimentar Seu perdão e graça. Para isso, é preciso ter
um substituto que pague a pena dos nossos pecados. Jesus ofereceu a própria
vida como sacrifício por nós. Ao aceitar o que ele fez em nosso nome, podemos
ter o perdão de Deus e a limpeza moral. A partir disso, nossa relação com Deus
pode ser restaurada. Isso evidencia por que acreditar em Cristo é tão
importante. Repudiá-lo é rejeitar a graça de Deus e permanecer espiritualmente
separado d'Ele. Se você morre nessa condição você ficará eternamente separado
de Deus. Outras religiões não ensinam a mesma coisa.
A crença em Deus é necessária para trazer qualidade de vida
e felicidade?
Penso que a crença em Deus ajuda, mas não é necessária. Ela
pode lhe dar uma fundação para valores morais, propósito de vida e esperança
para o futuro. Contudo, se você quiser viver inconsistentemente, é possível ser
um ateu feliz, contanto que não se pense nas implicações do ateísmo. Em última
análise, o ateísmo prega que não existem valores morais objetivos, que tudo é
uma ilusão, que não há propósito e significado para a vida e que somos um
subproduto do acaso.
Por que importa se acreditamos no deus do cristianismo ou na
'mãe natureza' se na prática as pessoas podem seguir, fundamentalmente, os
mesmos ensinamentos? Deveríamos acreditar em uma mentira se isso for bom para a
sociedade? As pessoas devem acreditar em uma falsa teoria, só por causa dos
benefícios sociais? Eu acho que não. Isso seria uma alucinação. Algumas pessoas
passam a acreditar na religião por esse motivo. Já que a religião traz
benefícios para a sociedade, mesmo que o indivíduo pense que ela não passa de
um 'conto de fadas', ele passa a acreditar. Digo que não. Se você acha que a
religião é um conto de fadas, não acredite. Mas se o cristianismo é a verdade -
como penso que é - temos que acreditar nele independente das consequências. É o
que as pessoas racionais fazem, elas acreditam na verdade. A via contrária é o
pragmatismo. "Isso Funciona?", perguntam elas. "Não importa se é
verdade, quero saber se funciona". Não estou preocupado se na Suécia
alguns são felizes sem acreditar em Deus ou se há alguma vantagem em acreditar
n'Ele. Como filósofo, estou interessado no que é verdade e me parece que a
existência desse ser transcendente que criou e projetou o universo, fonte dos
valores morais, é a verdade. (William Lane Craig - Entrevistado na Revista veja: 25/03/2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário.