Uma das inestimáveis doutrinas do Cristianismo é a justificação. Tal
doutrina foi abordada pelo apóstolo Paulo quando escreveu aos cristãos em Roma,
porém, é mal compreendida por muitos cristãos.
A incompreensão da doutrina da justificação é nítida desde os primeiros
pais da igreja e, assim continuou no período da Idade Média.
Com o advento da reforma, muitos pensam que houve um retorno aos
princípios do evangelho e, que daí por diante o conceito de justificação é o
mesmo exposto pelos apóstolos. Grande equivoco!
Quanto ao sentido do termo traduzido por ‘justificar’ no Antigo
Testamento, na sua maioria o erro decorre da conotação moral e ética que atribuem
ao termo. Porém, a vertente mais perniciosa é aquela que vê no termo aspectos
forense, como quando uma pessoa comparece perante um tribunal e é declarada
judicialmente justa por ter uma vida coerente com as exigências legais, pois o
sentido neotestamentário do termo “justificar” não guarda relação com a justiça
dos tribunais, pois a justiça de Deus se dá através do seu poder.
O apóstolo Paulo é claro ao dizer que o evangelho de Cristo é poder de
Deus para salvação de todo o que crê, pois no poder de Deus se descobre a
justiça de Deus ( Rm 1:16 -17). Jesus ao curar um paralítico disse: "Ora,
para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra poder de perdoar
pecados (disse ao paralítico), a ti te digo: Levanta-te, toma a tua cama, e vai
para tua casa" ( Lc 5:24 ). Ou seja, a justificação se dá pelo poder de
Deus, sem qualquer referencia a um tribunal.
A justiça forense não justifica os réus, somente emitem uma sentença de
que aquela pessoa é inocente ou culpada, o que é diferente de declarar alguém
justo. Num tribunal verifica-se somente uma conduta isolada, ou seja, não se
analisa a vida de quem é julgado, o que inviabiliza declarar alguém justo ou
injusto.
Ao pensarmos em um tribunal divino, temos que considerar que tal
tribunal foi estabelecido no Éden, quando Adão pecou. Naquele momento ele foi
julgado e apenado com a morte, separação, alienação de Deus “Pois assim como
por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim
também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para
justificação de vida” ( Rm 5:18 ).
Naquele evento todos os homens pecaram. Naquele ‘tribunal’ toda a
humanidade tornou-se destituída da glória de Deus ( Rm 3:23 ; 1Co 15:22 ). Como
a pena emitida no ‘tribunal’ do Éden poderia ser aplicada a Cristo se a pena
não pode passar da pessoa do transgressor? Como a justiça de Cristo pode ser
atribuída por Deus aos culpados?
Naquele tribunal houve uma única sentença: condenação!
E como uma pessoa condenada pode ser declarada justa por Deus se a
justificação bíblica não é forense?
Por causa destas indagações, muitos teólogos, ao especular sobre a
natureza da justificação consideram que o homem justificado não se torna justo,
antes só é declarado justo. Ou seja, embora não seja justo, Deus faz uma
declaração e trata tal homem como se fosse justo, mas que na realidade não é
justo. Está é a teoria predominante nos meios acadêmicos que se firmou desde a
reforma com Lutero.
Para os acadêmicos, tornar justo e declarar justo são afirmações
distintas, ao afirmar que Deus declara o homem justo sem torná-lo justo.
É possível Deus verdadeiro declarar uma mentira? Não é injusto tratar o
injusto como se fosse justo?
Mesmo que se considere que ser declarado justo não possui relação direta
com ser justo, não se pode ignorar que a declaração procede de Deus que, além
de ser justo, vela sobre a sua palavra para cumprir e, a sua palavra jamais
volta vazia. Se Deus declarar justo o homem que não é justo comete injustiça,
assim como também se mostra impotente para cumprir sua palavra, que seria
inócua.
Portanto, em conformidade com Antigo Testamento, justificar implica na
certeza de que a pessoa é inocente e, depois, declarar o que de fato é a
verdade: que a pessoa é isenta de culpa, justa, que se porta conforme a lei. Se
isto era exigido dos tribunais humanos que se dirá de Deus? ( Dt 25:1 )
Na Reforma protestante, Lutero procurou reafirmar um sentido forense
para o termo ‘justificação’, considerando que a ‘justificação’ seria um
‘direito legal’ de se ter comunhão com Deus. Ele apresentou esta proposta para
fugir da afirmação de que a justificação seria uma justiça infundida no homem.
Mas, de onde tal direito ‘legal’ surgiu para que o homem lançasse mão dele?
Todos os questionamentos surgem porque falta a compreensão de como se dá
a justiça de Deus. Como Deus justifica o ímpio ( Rm 3:26 ), se Ele mesmo
afirmou que jamais justifica o ímpio ( Ex 23:7 ). Se é reto que a justiça
condene o culpado, um juiz que absolve ou justifique o injusto não age
injustamente?
Millard J. Erickson, em sua Introdução à Teologia sistemática, define
que a justificação é um ato forense de imputação da justiça de Cristo ao
crente’, mas que ‘não é de fato uma infusão de santidade no indivíduo’. Ele
arremata dizendo que ‘não é uma questão de tornar a pessoa justa ou de alterar
a sua condição espiritual’ Erickson, Introdução a Teologia Sistemática, p. 409.
Neste mesmo sentido Scofield diz que ‘o pecador crente é justificado,
isto é, tratado como justo (...) A justificação é um ato de reconhecimento
divino e não significa tornar uma pessoa justa...’ Scofield, Bíblia de Scofield
com referencias, Rm 3:28, p. 1147.
O Dr. Emery H. Bancroft diz que o método da justificação é divino e não
humano, visto que o homem só pode justificar o inocente e Deus justifica o
culpado, sendo que ‘ Deus justifica à base da misericórdia’ e o ‘homem
justifica a base do mérito’. Por fim, ele alega que o homem precisa ser salvo
do seu caráter, esquecendo-se que não foi o caráter que estabeleceu a alienação
de Deus, mas o pecado. Bancroft, Teologia Elementar, p. 256.
Certo é que, quanto ao fundamento, a justificação tem por base a justiça
de Cristo, pois o homem é incapaz de promover a sua justificação. Embora seja
verdadeira a premissa de que Cristo se fez justiça para a humanidade, persiste
a pergunta: como se processa a justiça de Deus ao justificar o injusto, sendo
Ele absolutamente justo?
A resposta encontra-se no evangelho, ou seja, no poder de Deus.
A necessidade de justificação se deu a partir da queda de Adão. Com a
desobediência de Adão o pecado entrou no mundo e a humanidade herdou uma
natureza alienada de Deus, uma natureza separada e, consequentemente, toda a
humanidade é injusta desde seu nascimento ( Sl 51:5 ; Sl 58:3 ; Gn 8:21 ).
A justiça é reta: a alma que pecar esta mesma morrerá ( Ez 18:20 ). De
igual modo, a bíblia deixa claro que todos pecaram e foram destituídos de
compartilhar da comunhão com Deus ( Rm 3:23 ). Neste sentido, todos devem ser
assalariados com a morte, pois a pena não pode passar da pessoa do transgressor
e Deus jamais declara o ímpio justo.
Embora Deus seja misericordioso, a sua justiça não tem por base a
misericórdia, e sim o seu poder. Como a todos os homens está determinado
morrerem uma só vez, vindo após isto o juízo de obras que se realizará diante
do grande trono branco, juízo onde ninguém será justificado tendo em vista a
condenação do Éden "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez,
vindo depois disso o juízo..." ( Hb 9:27 ; Ap 20:12 -13 ), o evangelho é a
providencia divina para que o homem seja apenado com Cristo, e não com o mundo.
Quando o homem crê em Cristo conforme o que as Escrituras dizem, naquele
instante toma sobre si a própria cruz e segue após Cristo "E quem não toma
a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim" ( Mt 10:38 ). Ao
crer, o homem torna-se participante da carne e do sangue de Cristo, momento que
lhe é comunicado as aflições, vitupérios e a morte de Cristo "Para
conhecê-lo, e à virtude da sua ressurreição, e à comunicação de suas aflições,
sendo feito conforme à sua morte" ( Fl 3:10 ).
Quem crê sai juntamente com Cristo ao arraial e leva sobre si o
vitupério de Cristo, pois é crucificado e morto juntamente com Cristo
"Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério" ( Hb
13:13 ). Quando o homem é morto com Cristo, Deus executa justiça e,
consequentemente a sua palavra, pois a alma que pecar esta mesma morrerá, ou
seja, a penalidade não passa da pessoa do transgressor, pois quem está morto
está justificado do pecado.
Quando o homem crê em Cristo, ou seja, admite (confissão) que Ele é o
Filho do Deus vivo, é porque também admitiu (confissão) que é pecador. Neste
instante o homem é crucificado, morre e é sepultado com Cristo “Ou não sabeis
que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?
De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte” ( Rm 6:3 – 4).
Ou seja, a justiça exigida por Deus é estabelecida, pois a pena prevista
não passa da pessoa do transgressor. Embora a morte física de Cristo tenha sido
substitutiva, contudo a cruz, a morte e o sepultamento não o são, pois os que
creem são participantes da circuncisão de Cristo, que é o despojar de toda a
carne ( Cl 2:11 ).
Através da morte de Cristo, o homem culpado que surgiu através da
semente de Adão é apenado com a morte, de sorte que Deus jamais justifica o
ímpio. A alma que pecar, esta mesma morrerá e, através da morte com Cristo a
determinação divina se concretiza. A ira divina requer juízo e a sua
misericórdia não impede que esse juízo seja executado: o homem precisa morrer
com Cristo.
É por isso que o apóstolo Paulo diz: "Porque aquele que está morto
está justificado do pecado" ( Rm 6:7 ), pois o velho homem foi
crucificado, morto e sepultado conforme merecia. O homem gerado segundo a
semente corruptível de Adão jamais receberá de Deus a declaração de justo. Deus
jamais justifica o ímpio, pois ao ímpio não há paz, antes espada, morte.
Demonstramos que Deus é justo, agora falta demonstrar como Ele é
justificador dos que creem em Cristo "Para demonstração da sua justiça
neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé
em Jesus" ( Rm 3:26 ).
Quando o pecador morre com Cristo Deus é justo, quando ressurge um novo
homem dentre os mortos com Cristo pelo poder de Deus, Deus é justificador! Sem
contradição alguma! Justo e justificador é o Senhor!
No momento que é criado um novo homem, Deus o declara justo, livre de
culpa, pois o novo homem é criado em perfeita justiça e santidade ( Ef 4:24 ).
A velha criatura jamais é declarada justa, mas aqueles que recebem poder para
serem feitos filhos, estes Deus os declara justos.
Quando Deus olha o homem ressurreto com Cristo, não precisa olhar para
Cristo para declará-lo justo, visto que ao olhar para o cristão Deus vê um dos
seus filhos, gerado segundo a palavra da verdade. Deus só declara justos os
nascidos de novo e, para os de novo nascidos, eis que tudo se fez novo.
Quando Deus anuncia que jamais justifica o ímpio, temos que considerar
que Ele se refere ao homem gerado de Adão. Quando lemos o apóstolo Paulo
afirmando que Deus justifica o ímpio temos um novo contexto, pois ele faz
referencia a fé que o ímpio professa “Mas, àquele que não pratica, mas crê
naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça” ( Rm 4:5
).
A bíblia demonstra que Jesus ressurgiu para a nossa justificação "O
qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa
justificação" ( Rm 4:25 ), pois ao ressurgir com Cristo, o homem é criado
justo e declarado justo, pois tal declaração implica em uma atestado divino de
que a nova criatura em Cristo de fato foi criada em verdade e justiça ,
portanto, é justa.
Assim como o pecado de Adão foi imputado à humanidade por causa da
semente corruptível, assim também a justiça de Cristo é imputada ao homem em
decorrência da semente incorruptível, pois na regeneração os homens passam a
ser participantes da natureza divina, sendo justos e perfeitos como o é o Pai
celeste quando ressurgem dentre os mortos com Cristo ( Rm 1:4 ).
O meio pelo qual o homem se apropria da justificação é somente pela fé.
Quando dizemos que é pela fé, não quero dizer com isso que é a crença do homem
que opera tal obra, antes é a fé que havia de se manifestar, Cristo, o poder de
Deus, o evangelho. Como já mencionamos. A justificação se dá em decorrência do
poder de Deus, ou seja, basta confiar no poder de Deus contido no evangelho
"Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no
poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos" ( Cl 2:12 ).
É por isso que Jesus perdoou os pecados do paralitico com base no seu
poder, visto que a justificação se dá através do poder que trás à luz o novo
homem, e não conforme muitos apregoam, de que a justificação se dá através de
princípios forenses "Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da
mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?" ( Rm 9:21 ).
O mesmo poder que foi manifesto em Cristo ressuscitando-o dentre os
mortos é o poder que opera naqueles que creem na força do poder de Deus, que é
o evangelho. Todos quantos já ressurgiram são de fato justificados, pois além
de serem declarados justos, também foram feitos justos "E qual a
sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a
operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o
dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus" ( Ef 1:19 -20 ; 1Co
1:18 e 24).
Fonte:http://www.estudobiblico.org
Postado por: Presbítero Maurício
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