O
serviço do Senhor é bastante duro; não é um papel indicado para qualquer
pessoa. Pelo relato bíblico, parece que as pessoas que são mais usadas por Deus
como instrumentos na obra dele passam por grandes aflições. Não é de admirar
então que Paulo exortasse Timóteo para que se fortalecesse a fim de passar por
tribulações: "Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor, nem de
mim, que sou prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo
evangelho, segundo o poder de Deus ... Suporte comigo os meus sofrimentos, como
bom soldado de Cristo ... suporte os sofrimentos ..." (2 Timóteo 1:8; 2:3;
4:5). A palavra de Deus desmente as doutrinas de ''parar de sofrer'' que são
promulgadas por determinadas igrejas de nossa época. A realidade das duras provações
na vida cristã assusta vários discípulos que ficam abalados ao ponto de deixar
de trabalhar para o Senhor. Será que nós também engolimos o mito de que a vida
cristã deve ser livre de angústia?
A
vida de Jeremias nos dá bastante auxílio para encarar bem os sofrimentos do
servo do Senhor. Note as seguintes etapas da carreira dele:
O
chamamento
Quando
Deus chamou Jeremias para ser profeta (1:5), ele não queria aceitar: "Ah,
Soberano Senhor! Eu não sei falar, pois ainda sou muito jovem" (1:6). O Senhor
respondeu que ele lhe daria as palavras e que ele determinaria a programação
(1:7). Também ele se comprometeu a estar com Jeremias: "Não tenha medo
deles, pois eu estou com você para protegê-lo" (1:8). O Senhor também
concedeu a Jeremias os recursos dos quais ele precisaria para resistir aos
ataques dos inimigos: "E hoje eu faço de você uma cidade fortificada, uma
coluna de ferro e um muro de bronze, contra toda a terra: contra os reis de
Judá, seus oficiais, seus sacerdotes e o povo da terra. Eles lutarão contra
você, mas não o vencerão, pois eu estou com você e o protegerei"
(1:18-19). Deus já deixou Jeremias prevenido dos esforços dos oponentes, mas
lhe deu plena certeza da presença dele para capacitá-lo a encarar todas as
dificuldades.
A
mensagem
Jeremias
pregou ousadamente a mensagem que o Senhor lhe deu: "O meu povo cometeu
dois crimes: eles me abandonaram, a mim, a fonte de água viva; e cavaram as
suas próprias cisternas, cisternas rachadas que não retêm água" (2:13).
Ele expôs a infidelidade e a insensatez do povo de Judá por ter abandonado a
única fonte do bem e por ter corrido atrás dos ídolos vazios.
A
primeira crise
A
pregação corajosa da palavra do Senhor por Jeremias irritou muita gente que não
queria que seus pecados fossem expostos e condenados. A pregação da palavra de
Deus raramente conduz à popularidade. O tom de autoridade é desgostoso para o
homem rebelde. As pessoas que ficam ressentidas com a mensagem perturbadora
geralmente recorrem a medidas ou para calar o mensageiro ou para acabar com
ele. Não era diferente com Jeremias. O Senhor revelou para Jeremias que os
homens estavam tramando para matá-lo. Estes homens incluíram o pessoal da
própria cidade dele, Anatote (veja 11:18-23).
Jeremias
não entendeu a razão pela qual o Senhor deixou o caminho dos ímpios prosperar.
Ele queria saber até quando a terra iria sofrer por causa da perversidade deles
que Deus estava aparentemente tolerando. Era especialmente difícil para os
santos no velho testamento porque não tinham nítida visão da vida eterna. Foi
Cristo que "trouxe à luz a vida e a imortalidade por meio do
evangelho" (2 Timóteo 1:10). Antes de Cristo, os fiéis esperavam bênção ou
castigo nesta vida. Então quando o Senhor deixava os ímpios permanecerem
impunes era bastante difícil para irmãos como Jeremias entender.
A
resposta do Senhor à angústia de Jeremias era bem chocante. Ao invés de
simpatizar e confortar, o Senhor repreendeu e desafiou. Respondeu de três
formas: Œ"Se você correu com homens e eles o cansaram, como poderá competir
com cavalos? Se você tropeça em terreno seguro, o que fará nos matagais junto
ao Jordão?" (12:5). Deus estava repreendendo Jeremias por ter ficado tão
preocupado com pouca provocação. Se ele nem conseguisse caminhar um quilômetro,
vamos dizer, como é que ele iria agüentar a maratona? Nós devemos ter cautela
para não sentir muita pena de nós mesmos, porque é bem provável que a situação
piore e aí faremos o quê? Deus revelou que a situação já
era pior do que ele imaginava: "Até mesmo os seus irmãos
e a sua própria família traíram você e o perseguem aos gritos. Não confie
neles, mesmo quando lhe dizem coisas boas" (12:6). Não eram apenas os
compatriotas da cidade nativa que estavam tramando contra ele, eram os próprios
familiares! Ele já passou por trechos angustiantes, mas a realidade ficou mais
horrível ainda. Será que para nós também os atuais sofrimentos têm a finalidade
de nos fortalecer a fim de suportarmos as verdadeiras angústias vindouras? Ž
Deus mostrou que os sofrimentos de Jeremias eram bem mais leves do que os dele
mesmo: "Abandonei a minha família, deixei a minha propriedade e entreguei
aquela a quem amo nas mãos dos seus inimigos. O povo de minha propriedade
tornou-se para mim como um leão na floresta ..." (12:7-8). O que o Senhor
estava passando era bem pior do que os sofrimentos de Jeremias, pois ele tinha
que abandonar o que ele criou e tanto amou. Dificilmente refletimos no lado das
decepções que o Senhor experimenta.
A
segunda crise
Jeremias
chegou ao ponto de sentir-se muito solitário por causa da rejeição quase
universal que passou. "Todos me amaldiçoam", Jeremias reclamou, e
afirmou que não tinha feito nada para merecer tal horror (15:10-11).
"Jamais me sentei na companhia dos que se divertem, nunca festejei com
eles. Sentei-me sozinho, porque a tua mão estava sobre mim e me encheste de
indignação" (15:17). Foi bem duro para Jeremias ser excluído de tudo por
causa da tarefa severa que ele possuía de anunciar a palavra do castigo. Ninguém
queria se associar com ele. Por isso, Jeremias voltou-se contra o Senhor:
"Por que é permanente a minha dor, e a minha ferida é grave e incurável?
Por que te tornaste para mim como um riacho seco, cujos mananciais
falham?" (15:18). Antes, Jeremias havia pregado que Deus era "fonte
de água viva" (2:13), mas agora o chamou de riacho seco. Até mesmo grandes
homens de Deus caem.
A
resposta do Senhor à reclamação de Jeremias me surpreende. De novo, ao invés de
simpatizar com Jeremias, o Todo-poderoso o desafiou: "Se você se
arrepender, eu o restaurarei para que possa me servir; se você disser palavras
de valor, e não indignas, será o meu porta-voz. Deixe este povo voltar-se para
você, mas não se volte para eles" (15:19). O profeta havia fracassado e a
solução era que ele se arrependesse da sua auto-compaixão rebelde e voltasse ao
Senhor. Só assim ele seria o porta-voz do Senhor. Desde que ele já era o
porta-voz do Senhor, esta promessa que ao se arrepender ele se tornaria o
porta-voz significa que estas queixas contra o Senhor já havia tirado dele esta
função. Deus estava lhe dando uma segunda chance, mas ele não deu ouvidos às
reclamações. Ele não achou a situação insuportável para Jeremias, não. E depois
ele repetiu as palavras do chamamento (15:20-21; veja 1:18-19), assim mostrando
que as instruções de que Jeremias necessitava para vencer o desafio estavam já
em suas mãos.
Auto-compaixão
não faz com que o Senhor dê o braço a torcer. Jeremias estava tão triste por
causa do seu isolamento, porém no próximo capítulo (16) Deus ordenou que ele
não se casasse e que não fosse nem para velórios nem para festas. Estes
mandamentos certamente teriam aumentado este sentimento de solidão que Jeremias
passava, mas Deus decretou-os mesmo assim.
Aplicação
Temos
que suportar sofrimentos. O cristianismo não é para pessoas moles. Somente
pessoas com coragem e determinação resoluta terão a força necessária para
prosseguir neste caminho. Cristo cria bons soldados não mimando-os, mas
deixando-os passar por grandes dificuldades. A preparação militar, ou até mesmo
o treino esportivo, é duro. Nenhum general orienta suas tropas dando-lhes o
máximo de conforto e descanso. Nenhum técnico fortalece seus atletas sem dor e
suor. Do mesmo jeito podemos nos preparar para passar por momentos duros na
vida cristã, porque o Senhor quer que fiquemos fortes e firmes. Talvez nós já
imaginamos que a vida é bem difícil, mas estas dificuldades podem ser
designadas meramente como entrada às verdadeiras provações do futuro. Se já nos
rendermos, como é que superaremos os desafios maiores?
O
projeto do Senhor não é que paremos de sofrer nesta terra, mas que as angústias
fortaleçam nossa fé ao ponto que fica "muito mais valiosa do que o ouro
que perece, mesmo que refinado pelo fogo" e que resulta "em louvor,
glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado" (1 Pedro 1:7). Não
importa a dureza dos momentos aqui, são leves e momentâneos em comparação com a
"glória eterna que pesa mais do que todos eles" (2 Coríntios 4:17).
Que aprendamos com Jeremias a suportar sofrimentos sem queixa e sem
auto-compaixão!
Nota:
As citações bíblicas neste artigo são da Nova Versão Internacional (NVI).
por
Gary Fisher
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