sexta-feira, 5 de junho de 2015

Os Traumas de Mefibosete

O que é trauma?

A palavra trauma é oriunda do vocábulo grego e mantém um significado de ferida. Já no contexto psicológico o trauma é considerado como uma interferência forte o suficiente para não permitir que uma ação original aconteça, tendo assim a capacidade de mudar o rumo, o direcionamento da vida de uma pessoa, de forma que esta pessoa seja afastada por forças externas de seu projeto de vida.

A história de Mefibosete

A Bíblia narra em II Samuel a história de um homem chamado Mefibosete, filho de Jonatas, filho de Saul, um príncipe, homem de descendência real que quando criança é acometido por um acidente e se torna aleijado (IISm 4: 1-4). Uma interferência forte começa então a mudar a história dele, o seu projeto de vida, tudo aquilo que seu pai tinha sonhado para ele.

Ele é o que podemos denominar de O COLECIONADOR DE TRAUMAS. Toda a sua vida foi marcada por decepções, perdas irreparáveis, frustrações e angústias. O histórico de vida dele nos mostra que os traumas começaram na sua infância.

O significado do nome Mefibosete

O primeiro nome dele tinha sido meribe-baal (O senhor contende) mais por causa da semelhança ao deus dos cananeus, logo seu nome foi mudado para ISHBOSET (homem de vergonha) algum tempo depois surge Mefibosete (alguma coisa indigna/ exterminador da vergonha)
O príncipe, herdeiro do trono, agora é um homem envergonhado, detentor de traumas, cheio de frustrações.

Os traumas na vida de um Príncipe

1- O trauma físico 

(II Sm 4) – O trauma físico sofrido por Mefibosete impedia que ele exercesse a posição de guerreiro, de valente. Geralmente todos os príncipes em Israel tinham que ir a guerra, empunhar suas espadas, defender o rei, Ele não conseguia, imagine a frustração de ver todos os seus irmãos irem à batalha vestidos com armaduras, e ele sozinho não poder ir. O trauma físico veio acompanhado de outra notícia bombástica, de uma dor terrível.

2 - O trauma familiar 

Imagine alguém chegando à porta de sua casa gritando: TEU PAI É MORTO E TODOS OS SEUS FILHOS E SUA CASA, essa noticia chegou aos ouvidos dele, um novo trauma, uma dor ainda mais forte, Naquele momento passava a estar sem pai, sem irmãos sem ninguém.

3 - O trauma emocional

As dores físicas e familiares causaram nele uma dor emocional profunda, a ponto dele mesmo olhar para ele como um cão morto. Um dos mais inferiores tratamentos em Israel era ser chamado de cão ou cabeça de cão. Agora imagine a própria pessoa se autodenominar CÃO MORTO. (II Sm 9:8) Ser chamado de cão morto dava a ideia de ser imprestável, miserável e sujo (II Sm 16:9) O Senhor Jesus disse certa vez: vinde a mim todos os cansados e sobrecarregados e Eu vos aliviarei.

4 - O trauma social

Em conseqüência do trauma físico e familiar Mefibosete é levado a um lugar denominado LÔ DEBAR (sem pasto/lugar do esquecimento) um lugar onde ovelha nenhuma poderia viver. Uma cidade destinada aos doentes, aos miseráveis, cegos leprosos enfim os emprestáveis. Foi no lugar do esquecimento, no meio deste cenário que Mefibosete viveu por quase vinte anos. Ele era um homem que tinha nascido para viver de tragédias, ou melhor, não viver. Ser esquecido é um dos piores sentimentos sociais que alguém pode sentir. Mas o Senhor não nos esqueceu. Em Lc 19:10 o pastor vai em busca da ovelha perdida, num lugar sem pasto, ou seja, em Lô debar. O rei Davi se lembrou da aliança que tinha feito com Jônatas. Jesus te lembra hoje da aliança feita com você. O posicionamento de Davi foi semelhante à ação de Jesus. ( restituição)

5 - O trauma espiritual

Os complexos, feridas na alma causaram na vida de Mefibosete uma idéia de escravidão, ele perdeu a posição de príncipe, todos os bens de sua família, passando a ser escravo de seus traumas. Ele talvez tinha esquecido da ação de Deus, talvez este não se lembrava mais das vitórias que Deus tinha concedido ao seu pai Saul.
Ele era oprimido espiritualmente,e andava se arrastando sem FÉ alguma. Alguns homens de Deus, também, passaram por grandes crises e traumas, o próprio Davi nos salmos narra suas constantes aflições (Sl. 57:6/ Sl. 38:8/ Sl. 69:29)
Diante de tudo isso, de todas as frustrações o Rei olha para um homem lançado ao chão, no meio da amargura e vê um príncipe, foi assim que Davi olhou para Mefibosete. A Bíblia ao narrar os milagres de Jesus diz que ELE fitava os olhos nas pessoas, fixava os olhos e dizia a tua fé te salvou. Deus não te vê como um derrotado, como um aleijado, mas sim como um príncipe. O próprio Davi tinha saído de um lugar de esquecimento e foi posto como príncipe.

A restauração de Mefibosete

A restauração começa em Jerusalém, Ele foi levado do lugar do esquecimento a uma terra de paz (Jerusalém) A restauração na sua vida pode começar com os princípios existentes na ação de Mefibosete:

1- Mefibosete foi ao Rei como estava. 

A bíblia narra à história de uma mulher sírio-fenícia que foi até Jesus e se humilhou na presença dele de maneira semelhante à ação dele.

2- Mefibosete reconheceu sua situação. 

Para que haja restauração é necessário reconhecimento, confissão. Davi enquanto não reconheceu seu estado, seu pecado tinha os seus ossos envelhecidos (Sl 35:2) O povo de Israel precisou reconhecer sua situação de escravidão para que houvesse restituição

3- Mefibosete estava cheio de temor. 

O temor no Senhor é fonte de sabedoria (Pv. 9:10). Precisamos entrar na sala do trono, diante do REI com temor (Sl 19:9) Assim, faziam os sacerdotes quando entravam no santo dos santos.

A partir do dia em que Mefibosete entrou na presença do rei, ele passou a comer pão continuamente na presença do REI, os seus termos de possessão foram restituídos, o homem que tinha perdido a posição de príncipe e se tornado escravo é novamente colocado como príncipe, como um dos filhos do Rei.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Campanhas de Oração

A palavra campanha tem sua origem no latim e no glossário de termos e expressões para uso no exército, quer dizer acampamento de tropas, campo de batalha, combate, luta, lida, esforço para se conseguir alguma coisa. Deste último significado é que surge a ideia de campanha. Na verdade quando se fala em campanha, pensa-se no conjunto de esforços para informar pessoas, mudar comportamentos e a partir disso, obter algum resultado. Pode-se definir campanha, como um conjunto de operações (espirituais), relacionadas no tempo e no espaço, visando a um determinado fim. Uma guerra contra as forças inimigas.

A cura e libertação, não virá das águas do Rio Jordão, nem do pisar o sal grosso do Mar Morto, nem tão pouco por orações realizadas no Monte Sinai ou em qualquer outro lugar do mundo; a libertação virá pela fé em Cristo, Aquele que derramou o Seu sangue inocente na cruz do Calvário, para todo aquele que Nele crer.

Quando se faz uma campanha na Igreja, busca-se por um alvo usando um método, para se atingir um objetivo específico, num tempo determinado.

Quais seriam esses métodos e meios disponíveis (espirituais) para conseguir os objetivos específicos?  
São as orações, as táticas e estratégias espirituais, que planejam e conduzem as campanhas; são os métodos para guerrear e se defender de um inimigo em batalha.

Existem vários tipos de campanha:  campanha do agasalho; de vacinação; da família, de doação de órgãos, de sangue; do leite; da cesta básica; de prevenção; do quilo; de arrecadação; campanha política; sobre drogas, campanha nacional de solidariedade, campanha da fraternidade, campanha evangelística e por aí vai... Nós, os cristãos evangélicos não podemos usar desses meios, para alcançar uma graça, em nome de jesus?

Certa feita pedi em oração ao Senhor, uma direção e uma orientação. Passados três dias, estava lendo um livro, e encontrei a resposta desejada, sendo abençoado logo em seguida. Outra feita busquei mais direção, e folheando um apócrifo, obtive novamente a resposta. Alguém se atreve a dizer que não foi Deus quem me respondeu, só porque os livros que estava lendo não faziam parte das Sagradas Escrituras? Deus fala como quer, e da forma que quer. Vejo o céu, os campos, a noite, os pássaros, os animais, e neles ouço Deus falar comigo e responder às minhas indagações.
Não posso direcionar Deus a responder assim e assim. Seria muita pretensão! Outra questão: nem tudo o que Jesus falou, está escrito nas Escrituras Sagradas. Nem mesmo o mundo inteiro seria capaz de conter os livros que se pudesse escrever sobre a pessoa de Jesus e sua obra.

Assim, dentre as campanhas, a Igreja pode livremente usar da campanha de oração, espiritual. Todos sabem que a Igreja precisa de uma forma, de um meio, de uma metodologia de ensino, discipulado, um modo de trabalhar com o rebanho de Deus.

As pessoas que criticam as campanhas são dúbias, nem têm algo a acrescentar; pelo contrário, são pessoas frustradas que só querem mostrar na viseira seu farisaísmo e seu sensacionalismo barato. Estão completamente equivocadas.  Deus sabe perfeitamente a maneira que cada um recebe sua bênção.

Não se sabe qual foi a primeira igreja a utilizar este método de campanha. Se alguém a utiliza como uma doutrina está errado, porém se a usa como espaço para conhecer a Palavra de Deus, adorar e orar a Deus; direcionar os cristãos para algum alvo, um auxílio, uma bênção, não há motivo para não participar.

Há muitas passagens na bíblia, onde o povo de Deus faz campanhas para atingir um objetivo.

Josué fez uma campanha para a conquista de um território, uma cidade chamada Jericó (Josué 6:3-27); Naamã, para ser curado da lepra, recebeu um chamado do profeta Elizeu para se esforçar, buscando atingir um fim determinado no rio Jordão, onde teve que mergulhar sete vezes; Daniel e Ester fizeram uma campanha de jejum; Os apóstolos aderiram a campanhas para receber as coletas (1 Cor. 16:1-4). Há muitos outros exemplos. Até o próprio Deus trabalha com alvos, e nestes propósitos, com tempos determinados. Há um tempo determinado para cada coisa. O mundo foi feito em seis dias.

A campanha não precisa ser necessariamente de sete dias, mas de quanto tempo necessitar, porém com uma data pré-definida para seu término. Se alguém propõe sete dias, ou vinte e um, ou quarenta, erra o alvo; pois aí a igreja seria dominada por números, algo cabalístico que denota um misticismo dentro deste método.

Como as pessoas dirigem as campanhas, erroneamente:

Algumas pessoas fazem críticas às campanhas nas Igrejas, sob pretextos mais pobres e sem conhecimento.

O que não é campanha:

A campanha não é doutrina bíblica;
Não é uma reprodução de "novenas" da igreja católica;
Não é passar o envelope para o povo fazer uma barganha com Deus;
Não é uma fórmula mágica, onde os problemas serão resolvidos e os desejos atendidos;
Não é meio para se alcançar o céu; (Jesus é o Caminho);
Não é meio de salvação; (Jesus é o Salvador);
Não é meio para se alcançar prosperidade;
Não é meio para se adquirir vida eterna (É Jesus quem a dá, gratuitamente);
Não é baú de realização de promessas fantasiosas e mirabolantes;
Não é meio para se santificar ou crescer espiritualmente;
Não é um ritual para se aproximar mais de Deus;
Não é um meio para determinar bênção e rejeitar provações;

Quando se diz que a campanha de determinada Igreja é a mais forte, onde tudo se cumpre, é garantida, não tem como dar errado e não acontece nada e nada se cumpre, neste caso, o método da campanha é falho e as pessoas saem decepcionadas e ludibriadas.
Outros “pilantras”, se utilizam até mesmo de apetrechos mundanos (campanha da rosa, do sabão, do sal grosso); falam em trazer a pessoa amada em sete dias, além de distribuírem objetos idolátricos, tais como arcas, martelos, anjos, medalhões, selos, lenços e muitos outros sob o pretexto de que tais objetos trazem proteção ou riqueza. Foge destes, pois são idólatras e lobos vorazes!

Faz-se a campanha usando de um método, e nunca como se fosse uma doutrina a ser obedecida cegamente. 
Serve para levar à oração, à consagração, à perseverança. Tudo isto com o auxílio do Espírito Santo que intercede por nós com gemidos inexprimíveis. Como diz Jesus: “Sem Mim, nada podeis fazer”.
Nem todas as igrejas usam deste método, porém as que utilizam, devem se ater naquilo que visa o sentido da campanha e não como uma certeza de que Deus só age por este meio.
A campanha é um auxílio. É uma forma de testemunhar a Deus que estamos determinados a atingir um alvo. Não é a campanha que faz o milagre, é Deus! Porém se fizer um voto a Deus usando este meio, não tarde em cumpri-lo (Ecl. 5:4-5).
Esta é a campanha do verdadeiro adorador do Pai: orar sem cessar, em todo tempo, em todo lugar, com mãos santas, sem ira e sem contenda.

Evangelista Maurício

sábado, 30 de maio de 2015

... e foi sem deixar de si saudades

Historicamente os reis de Israel e Judá se dividiram entre os que fizeram o que era reto aos olhos do Senhor e os que fizeram o oposto. O rei Jeosafá de Judá estava no grupo dos reis fiéis a Deus, que amava  seu Deus, seu povo e seus filhos, tanto é que ele deu muitos presentes e coisas preciosas a todos os filhos, além de cidades fortificadas.

Um dia Jeosafá dormiu no Senhor e em seu lugar reinou seu filho mais velho, Jeorão. Nem sempre filho de peixe é peixinho e Jeorão nada tinha de seu pai, pelo contrário, ele se revelou um rei cruel, infiel e homicida. A primeira providencia de Jeorão depois que assumiu o trono de Judá, foi matar todos os seus irmãos e alguns príncipes de Israel, veja: “E, subindo Jeorão ao reino de seu pai, e havendo-se fortificado, matou a todos os seus irmãos à espada, como também a alguns dos príncipes de Israel.”(2 Crônicas 21:4).

Pois é, mas o mal tem vida curta e Jeorão reinou por apenas oito anos em Judá e não deixou saudades, porque ele era casado com uma filha do rei Acabe e resolveu seguir os maus caminhos da casa do mal afamado rei de Israel, ao invés dos belos caminhos construídos por seu pai. Não foi uma boa ideia.

A única razão para Jeorão reinar em Judá por longos oito anos, foi a aliança de Deus com Davi, segundo a qual o Senhor prometeu a Seu servo que sempre haveria um descendente seu em Jerusalém e Deus é fiel e cumpre Suas promessas, mesmo quando somos infiéis. Jeorão era cruel, fazia o que era mau aos olhos do Senhor, mas havia uma aliança que foi mantida.

As coisas iam de mal a pior em Judá. As relações internacionais começaram a manifestar os desmandos do rei Jeorão e os edomitas se revoltaram contra Judá e constituíram um rei. Jeorão não conduziu bem a questão, antes passou adiante deles com todos os seus carros e príncipes e feriu, de noite, o exército edomita, mas ainda assim ele não conseguiu subjugar a revolta dos edomitas que são inimigos de Israel até hoje.

Ao mesmo tempo os de Libna, que era uma cidade que ficava ao sudoeste da Palestina, se revoltaram contra o reinado de Jeorão, porque ele deixou o Deus de seus pais. Além dos problemas externos, Jeorão fez altares a deuses estranhos nos montes de Judá e corrompeu os moradores de Jerusalém e de Judá. Jeorão havia extrapolado os limites do mal e Deus mandou um recado para ele através do profeta Elias, que dizia que Jeorão não havia andado nos caminhos dos reis de Judá, mas, sim, nos caminhos dos reis maus de Israel e por isso Deus feriria com grande flagelo seu povo, seus filhos, suas mulheres e suas propriedades, como também feriria ao próprio rei com uma doença incurável em suas entranhas.

Dito e feito. O Senhor levantou o espírito dos filisteus e dos árabes e eles subiram a Judá e levaram todos os bens da casa do rei, como também seus filhos e suas mulheres, o único que foi poupado foi Jeoacaz, filho mais novo de Jeorão. E aí Jeorão foi ferido pelo Senhor em suas entranhas com uma doença incurável.

Depois de dois anos as entranhas de Jeorão saíram de seu ventre e ele morreu daquela enfermidade, tal como decretou o Senhor através de Elias. Um rei mau que não foi chorado por seu povo, que sequer queimou aromas por sua morte, como era sua tradição.

Jeorão morreu aos quarenta anos de idade, depois de reinar por oito anos em Judá e não teve as honrarias de rei e não foi sepultado nos sepulcros dos reis e não deixou saudades, veja: “Era da idade de trinta e dois anos quando começou a reinar, e reinou oito anos em Jerusalém; e foi sem deixar de si saudades; e sepultaram-no na cidade de Davi, porém não nos sepulcros dos reis.” (2 Crônicas 21:20).

É triste a morte dos que não amam a Deus e eles não deixam saudosa memória, veja o que está escrito: “A memória do justo é abençoada, mas o nome dos perversos apodrecerá.” (Provérbios 10:7). Jeorão fez o que era mau aos olhos do Senhor e apodreceu em vida, mas o mesmo acontece a todos os que rejeitam Jesus como Salvador: apodrecem espiritualmente e em vida.

 A única fonte que jorra vida eterna é Jesus, mas muitos O têm rejeitado, algumas vezes por medo, outras por preconceito, mas ninguém por desconhecer a verdade. De uma forma, ou de outra a salvação é oportunizada a todos, mas nem todos a recebem com a alegria de quem encontra um tesouro e Jesus é o maior tesouro que podemos conquistar. Reconhecer Jesus como Salvador, salva o corpo, a história pessoal e livra o homem da segunda morte. Venha para Jesus por amor, não por medo do inferno, afinal o céu é Jesus e o inferno é a separação definitiva de Deus.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Papel da Mulher à Luz das Escrituras Sagradas

No primeiro estudo sobre relacionamentos saudáveis no lar, preparamos a tela para a pintura de um retrato de uma mulher cujo valor é inestimável diante de Deus. Assim como a famosa pintura da "Mona Lisa" de Leonardo da Vinci, essa mulher possui um ar misterioso criado pelo Artista divino. Deus a retrata como alguém com espírito manso e tranqüilo, mas que faz uma contribuição singular ao lar cristão. Tendo preparado a tela com o ensino bíblico sobre o que a submissão da mulher NÃO significa, voltemos para ver esses toques leves e equilibrados com que o Artista pintou o quadro daquela que podemos chamar nossa "Mona Submissa". Vejamos, então, o que a submissão feminina significa.

1. Submissão se oferece pela mulher ao próprio marido.

Colossenses 3:18 e Efésios 5:22 falam diretamente às esposas. Infelizmente, muitos homens têm interpretado o texto como se fosse a responsabilidade deles manter suas esposas "na linha". Mas Deus chama as mulheres para sua responsabilidade de "alinhar-se" debaixo da liderança de seus próprios maridos.

Seria um contra-senso falar de "submissão exigida" pelo marido, e não submissão oferecida a ele pela mulher, seria ridículo como a pessoa que fala: "Exijo que você me ame espontaneamente!" Submissão é uma obra do Espírito Santo no coração da mulher. É uma questão entre a mulher e seu Deus, ou seja, alinhamento vertical com Deus, que resulta num alinhamento debaixo da liderança do marido.

Não adianta o homem insistir em submissão. Cabe a ele orar para que Deus transforme o coração de sua esposa. Semelhantemente, a mulher com marido que fica pressionando-a para "submeter-se" a ele precisa primeiro avaliar o coração dela diante de Deus, depois procurar ser a mulher de espírito manso e tranqüilo (1 Pe 3:1-6), e finalmente orar pelo marido.

2. Submissão da esposa é uma ordem, não uma opção.

Mesmo sendo algo oferecido ao marido pela mulher, o ensino bíblico nos lembra de que submissão é uma ordem. Essa, a segunda pincelada do Artista no retrato da mulher submissa, deixa claro que submissão é primariamente e principalmente uma questão entre a mulher e Deus. A ordem está no tempo presente, ou seja, deve ser contínua e não ocasional. Deus não necessariamente chama a mulher para entender o plano divino, mas, sim, obedecê-lo. Podemos afirmar que há grande perigo para a família que rejeita a receita divina para relacionamentos saudáveis no lar.

Alguns afirmam nesses dias pós-modernos de relativismo, que tal ordem foi uma acomodação à cultura daquela época. Infelizmente, esse argumento não tem base. O ensino bíblico quanto ao papel da mulher é unânime, trans-cultural e trans-temporal: desde a criação, depois da queda, antes e depois da Lei, antes e depois da Cruz de Cristo. Paulo e Jesus não eram machistas como muitos alegram; muito pelo contrário. Os dois eram radicais extremistas em termos da liberdade e atenção oferecidas às mulheres numa cultura altamente pré conceituada. Protegeram e elevaram o "status" das mulheres através do seu ensino sobre a santidade do casamento, a preservação da dignidade sexual da mulher, e sua igualdade com o homem relativo à posição em Cristo.

3. Submissão significa alinhar-se debaixo do marido.

O terceiro "toque" do Artista define a submissão. Podemos afirmar que o significado do termo hoje NÃO se deriva da ideia de uma "missão inferior" ("sub"- missão), como se a tarefa dela fosse menos importante que a do homem. Também não concordamos com aquele que definiu submissão como "a arte de saber quando abaixar para que Deus possa bater em seu marido!" O verbo grego traduzido como "submissão" traz a ideia de "colocar-se em ordem debaixo". É a ideia de alinhar-se debaixo da liderança do marido, para o bom funcionamento do lar. Isso não é por causa de uma suposta inferioridade, mas pelo fato de que não poder haver dois chefes no lar. De novo, isso não significa autonomia masculina no lar, só que, na última análise, a responsabilidade de liderar recai sobre o homem. A responsabilidade é dele, a culpa será dele, e a mulher fica protegida quando ela segue a liderança dele.

Mais uma vez podemos entender isso pela ilustração da dobradiça de uma porta. Para a porta revolver-se eficientemente, alguém precisa alinhar e encaixar todos os anéis da dobradiça, um em baixo do outro. Todos os anéis são feitos do mesmo material, com a mesma força. Não é uma questão de inferioridade, mas, de funcionamento equilibrado. Para a porta da família funcionar bem, todas as dobradiças precisam ficar alinhadas, "no eixo".

Para isso, o homem precisa assumir seu lugar como líder, delegando sem abnegar de sua responsabilidade. A mulher precisa andar em conjunto com o marido, seguindo-o e complementando-o desde que esse não exija que ela desobedeça a padrões divinos. Jovens precisam tomar muito cuidado para não casarem-se com alguém com que não poderá "alinhar-se" eficientemente, ou seja, num jugo desigual que cria uma "porta torta" e uma dobradiça barulhenta.

4. Submissão bíblica significa respeitar o marido.

Dissemos que o termo "submissão" significa "alinhar-se debaixo do marido". Mas alinhar-se debaixo de outra pessoa forçosamente, sem o devido respeito, iguala-se à opressão na melhor das hipóteses e prostituição na pior. Como sempre,Deus está mais interessado no coração da mulher do que no mero rito de "submissão". Submissão sem respeito é como obediência sem honra. Vemos isso claramente na criação de nossos filhos. Se não atingirmos o coração da criança, produzimos hipocrisia. A mulher que "submete-se" "de boca pra fora" ainda não compreendeu a vontade de Deus para seu lar. Nesse caso, seria como uma dobradiça que está alinhada, mas que sempre chia, irritando todos ao redor.

Efésios 5:33 resume toda a discussão sobre o papel da mulher com a palavra "respeito". Da mesma forma como a igreja deve ser submissa a Cristo, a esposa deve se submeter ao seu marido, com essa atitude de coração chamada "respeito". A palavra original traz a ideia de "temor", não no sentido de ficar encurvada e temerosa diante do marido, mas num relacionamento intimo de honra e consideração, assim como na frase "o temor do Senhor".

1° Pedro 3:1-6 também reflete esse aspecto interior de submissão. Deus valoriza o espírito manso e tranqüilo da mulher, especialmente no relacionamento submisso diante de um marido que, humanamente falando, talvez não mereça tanto respeito. O respeito não é necessariamente porque o marido é digno, mas pelo fato de que Deus o constituiu como líder do lar. Não é respeito tanto pela pessoa, mas, pela posição dada por Deus. Essa é a mesma posição bíblica quanto à submissão do cristão diante das autoridades políticas, sejam justas ou injustas, por serem estabelecidas por Deus.

Certamente a mulher precisa traçar um limite quando o marido exige algo contrário à Palavra. Mas precisa também verificar com muito cuidado que não haja uma opção criativa para não ter que desobedecer a Deus nem o marido.

5. Submissão bíblica requer uma obra sobrenatural no coração da mulher.

O último toque do Artista acrescenta a ideia de submissão "como convém no Senhor" (Cl 3:18). A frase lembra-nos de que o padrão é celestial. Temos que admitir que tudo que Deus pede para relacionamentos saudáveis no lar está fora da nossa capacidade natural. A mulher não submete-se ao marido natural e espontaneamente. Da mesma forma, como veremos depois, a natureza do homem não é de amar sacrificalmente sua esposa, mas de explorá-la e usá-la para seus próprios fins egoístas.

Desde a Queda a tendência da mulher tem sido tentar superar o marido, não sendo "auxiliadora idônea" que complementa-o, mas alguém que compete com ele. Então, se a tendência natural da mulher é de resistir a liderança do marido, e se a tendência natural do homem é de subjugar a mulher, como podemos voltar ao padrão bíblico de complementação, harmonia, e paz no lar? A resposta está no poder sobrenatural e espiritual vindo como fruto da obra de Cristo na cruz. Em Cristo, as tendências velhas foram vencidas e tudo se fez novo. Efésios 5:18, que antecede o ensino paulino sobre relacionamentos saudáveis no lar, nos lembra de que uma vida controlada pelo Espírito Santo verte o quadro criado pela Queda. Essa é a única esperança para o lar - uma obra sobrenatural em que a vida de Cristo está sendo reproduzida dia após dia na vida tanto do homem como da mulher. Esse retrato é mais valioso que qualquer pintura misteriosa por da Vinci ou outro artista famoso. É a pintura do Artista divino. Pr. Davi Merkh 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A Circuncisão do Coração

Dentre os rituais prescritos na lei mosaica, nenhum era mais radical do que a circuncisão. Trata-se de um procedimento cirúrgico no qual se remove o prepúcio, a pele que recobre a glande do órgão reprodutor masculino, tão invasivo e traumático quanto o corte do cordão umbilical. Diferentemente de outras cerimônias como as que exigiam o sacrifício de animais, a circuncisão deixava uma marca no corpo do indivíduo.

Na verdade, a circuncisão foi instituída bem antes da lei, servindo de selo da aliança entre Deus e os descendentes de Abraão. Todo filho varão deveria ser circuncidado ao oitavo dia (G.17:10-12). O próprio Jesus precisou ser submetido ao rito.

Atualmente, muitos defendem a circuncisão como uma medida de higiene, útil para impedir o acúmulo de secreção genital no espaço entre a glande e o prepúcio, região comumente foco de infecções. Pesquisas apontam os benefícios práticos da circuncisão como a redução de infecções urinárias, câncer peniano e câncer do colo do útero nas parceiras, doenças sexualmente transmissíveis, dentre as quais o HIV. Apesar do valor atribuído pela medicina moderna à prática, gostaria de propor uma investigação bíblica em busca de seu sentido simbólico/espiritual.

O escritor sagrado diz que os ritos e cerimônias da lei têm “a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas” (Hb.10:1). Paulo complementa dizendo que a realidade para a qual eles apontam se encontra “em Cristo” (Col.2:16-17). Portanto, muito mais do que uma medida higiênica e preventiva, a circuncisão encerra em si um significado mais amplo e profundo.

Bem da verdade, a circuncisão acabou se tornando motivo de muita controvérsia na igreja primitiva. Alguns discípulos judeus achavam que qualquer gentio que se convertesse à fé deveria se submeter ao rito. Somente assim, o novo convertido seria aceito na comunidade dos cristãos, sendo oficialmente incluído entre os descendentes de Abraão.

Paulo foi um dos que mais combateram tal crença. Segundo o apóstolo, o que antes era um sinal da aliança entre Deus e Abraão, agora se tornara numa ferramenta para manter as pessoas reféns de uma religiosidade frívola e vã.

“Tendo cuidado”, advertiu Paulo, “para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e tendes a vossa plenitude nele, que é a cabeça de todo principado e potestade, no qual também fostes circuncidados com a circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a circuncisão de Cristo” (Col.2:8-11).

Portanto, a circuncisão instituída na lei era apenas uma sombra da verdadeira circuncisão à qual somos submetidos em Cristo. N’Ele alcançamos a plenitude; em outras palavras, não nos falta nada. Estamos completos. Sua graça nos basta. Não há acréscimos a fazer.

Alguns discípulos mais moderados achavam que a circuncisão deveria ser encarada como algo opcional. Quem quisesse, poderia ser circuncidado. Quem não quisesse, poderia manter-se incircunciso. Porém, Paulo, prevendo que isso promoveria a divisão dos cristãos em duas classes distintas, opôs-se radicalmente. “Se vos deixardes circuncidar”, alerta o apóstolo, “Cristo de nada vos aproveitará” (Gl.5:2). E a lógica que ele usava era imbatível: “E de novo protesto a todo o homem que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei” (v.3). Não dava para transigir. Quem quisesse viver sob a égide da lei, teria que observá-la por completo. Ou tudo, ou nada. Ou se vive pela lei, ou se rende à graça. E ele mesmo sentencia: “Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído” (v.4).

Para Paulo, aquela era uma questão há muito superada. Transformá-la num cavalo de batalha era total perda de tempo. Por isso, ele se nega a pôr panos quentes. O assunto tinha que se encerrar ali mesmo. “Porque”, afinal, “em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor” (v.6). E arremata: “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura” (Gl.6:15). Nem valor, nem virtude. Portanto, ninguém pode se gabar perante Deus pelo simples fato de ter sido circuncidado conforme prescrito na lei.

Em quase todas as suas epístolas, Paulo teve que retomar a questão, mesmo que a contragosto. A igreja sofria um ininterrupto assédio dos que defendiam a circuncisão como condição sine qua non para a salvação. Aos Filipenses, ele defende que a verdadeira circuncisão “somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”(Fp.3:3). Ao contrário da lei que servira como plataforma de um sistema meritório, a graça derruba qualquer presunção humana, posto que revele nossa falência espiritual, a fraqueza de nossa carne e a nossa inabilidade em cumprir as demandas da justiça divina. Não dá para confiar em Cristo e confiar em nossa carne ao mesmo tempo. Qualquer tentativa de se estabelecer uma meritocracia sucumbe ante a radicalidade da graça.

Aos cristãos de Roma, ele alfineta:
“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus.” Romanos 2:28,29
Circuncisão do coração? De onde Paulo teria tirado este conceito? Seria um conceito totalmente novo? Haveria algum indício no Antigo Testamento de que sob a nova aliança a circuncisão da carne seria substituída pela circuncisão do coração? E o que significaria tal circuncisão?

Jeremias, o mais emotivo dentre os profetas, admoesta:

“Circuncidai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitantes de Jerusalém, para que o meu furor não venha a sair como fogo, e arda de modo que não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras.” Jeremias 4:4

Esta passagem vetero-testamentária deixa claro que a não circuncisão de nosso coração atrairia o juízo de Deus. Fica igualmente subentendido que nossas más obras nada mais são do que frutos de um coração incircunciso.

Mesmo durante a instituição da lei, muito antes da Era dos grandes profetas, Deus já havia Se comprometido a promover a circuncisão do coração do Seu povo. Portanto, não se trata de obra humana, mas divina. Leia o que diz Moisés sobre isso:

“E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao Senhor teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas.” Deuteronômio 30:6

Repare nisso: a circuncisão do coração é que nos possibilita a amar a Deus. Jesus disse que toda a lei foi resumida em dois mandamentos: Amar a Deus e amar ao próximo. Sem que o homem tenha seu coração circuncidado, ele jamais será capaz de cumpri-los. O cumprimento de ambos depende totalmente desta operação feita pelo Espírito Santo em nosso interior. E uma vez que sejamos incapazes de amar ao nosso semelhante, certamente lhe negaremos também a justiça.

“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. Pois o Senhor vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita subornos; que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa.” Deuteronômio 10:16-18

A paz só possível se houver justiça, e esta, por sua vez, só se cumpre onde haja amor. Todavia, há um prepúcio no coração de todo homem que o impede de ver isso. Paulo também se refere a esta cobertura como um véu capaz de endurecer o entendimento humano. Daí a advertência para que não endurecemos a nossa cerviz. Em outras palavras, temos que deixar de ser cabeça dura. Porém, para isso, o véu tem que ser removido. E isso só ocorre quando somos convertidos a Cristo (2 Co.3:13-18). Portanto, a genuína conversão equivale a ter o coração circuncidado.

Permita-me lançar mão de uma compreensão psicanalítica de nossa condição humana que parece ecoar a verdade anunciada nas Escrituras.

De acordo com Freud, todos nascemos narcisistas. Ao nascermos, todo o nosso amor é voltado para nós mesmos. Até a nossa mãe é vista como sendo uma extensão de nosso ser. Isso parece se encaixar perfeitamente com o que a teologia cristã diz acerca de nossa condição humana: todos nascemos em pecado (Sl.51:5). Pecado é, por definição, errar o alvo. Não fomos criados para o amor próprio, mas para amar a Deus e ao nosso semelhante. O amor próprio é, por assim dizer, a essência do pecado. Nascemos em pecado porque nascemos voltados para nós mesmos. Investimos todo o nosso afeto em nosso eu. O outro não passa de um espelho onde vislumbramos nossa imagem. É pelo outro que tomamos consciência de que existimos. O mundo parece nos orbitar. Até que ocorre um trauma de tal ordem que Freud chama de castração. Se o narcisismo é a entronização do “eu”, a castração é a sua deposição. Somos confrontados pela lei imposta pelo superego num processo chamado de Complexo de Édipo, através do qual descobrimos que nem todos os nossos desejos podem ser saciados. O papel do superego é nos munir de consciência moral, ditando-nos o bem a ser buscado, e o mal a ser evitado. É através da castração que a lei é cravada em nossa consciência, gerando uma estrutura psíquica neurótica, fundamentada no desejo e na culpa. Uma eventual falha na castração gerará uma estrutura psíquica psicótica, ou mesmo perversa, em que o sujeito é incapaz de se sentir culpado. Sem que haja culpa, também não haverá arrependimento. É necessário que a lei cumpra seu papel, a fim de que a graça entre em cena, de modo que se cumpra a célebre declaração apostólica: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm.5:20). Como cristão que crê no ministério do Espírito em convencer o homem acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8), creio firmemente que ninguém está imune à Sua eficiente atuação, nem mesmo o psicótico ou o perverso. Porém, esta atuação passa necessariamente pela admissão de culpa, sem a qual, jamais se alcançará a consciência grata pelo perdão. Sem a lei, não há evangelho possível. A lei condena para que o evangelho absolva.

Engana-se quem pensa que a lei foi legada exclusivamente aos judeus. Paulo afirma que mesmo os gentios “fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” (Rm.2:14,15). Esta tal lei no coração é o que Freud chama de superego.

É justamente a castração que nos lança para fora de nós mesmos e nos faz buscar no outro o que não encontramos em nós, posto que revele nossa desesperadora condição de incompletude.

Agora temos um ego suprimido pelo superego e uma terceira instância psíquica a que Freud chama de Id, que equivale ao que Paulo chama de “carne”. Digamos que o superego seja aquele anjinho que nos estimular a fazer o que é certo, enquanto que o Id é o diabinho que nos instiga a fazer o que é errado. Caberá ao ego arbitrar entre as demandas do superego e do Id.

Devido à nossa condição pecaminosa, somos bem mais propensos a atender aos apelos do Id do que aos estímulos do superego. Queremos saciar os desejos de nossa carne a qualquer custo, mesmo que isso resulte na infelicidade de outros. Diferente das estrelas ao redor das quais orbitam os mais variados planetas, tornamo-nos buracos negros que sugam tudo ao seu redor.

A castração não foi suficiente para nos tornar seres humanos plenos. Quando muito, devemos a ela nossa introdução à adolescência espiritual. A plenitude de que tanto carecemos se encontra na graça revelada em Cristo. Ela nos liberta da opressão do superego e da contínua pressão do Id.

A circuncisão do coração nos oferece um estágio para além da castração. Tanto o ego, quanto o superego são destituídos e em seu lugar entronizamos respectivamente a Cristo e ao Espírito Santo. "Estou crucificado com Cristo", declara Paulo, "e já não vivo eu, mas Cristo vive em mim" (Gl.2:20). O eixo ao redor do qual gira nossa existência deixa de ser nosso eu para ser Cristo, e a voz da nossa consciência deixa de ser a voz inquisitiva da lei para ser a doce e encorajadora voz do Espírito Santo. Somente o Id segue ocupando o mesmo lugar, posto que a carne jamais se converte. Somente nos livramos das pulsões de nossa natureza pecaminosa quando recebermos novos corpos e Deus for tudo em todos (1 Co.15:28; Fp.3:21).

Mediante a castração, fomos levados à Árvore do Conhecimento do Bem do Mal, mas somente pela circuncisão do coração somos reconduzidos à Árvore da Vida.

A partir daí, em vez de enxergar nossa própria imagem (narcisismo), passamos a enxergar em nós mesmos a imagem de Cristo e a flagrante transformação patrocinada pelo Espírito da Liberdade (2 Co.3:18). Finalmente, com o coração circuncidado, deixamos de viver para nós mesmos. Como declara Paulo, “o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si” (2 Co.5:14-15). Este santo constrangimento não apenas afeta a maneira como enxergamos a nós mesmos, mas também a maneira como enxergamos o outro. Paulo complementa: “Assim que daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne” (v.16). Em outras palavras, já não buscamos no outro nossa própria satisfação. O outro deixa de ser um mero item de nosso desejo, um sonho de consumo, e passa a ser visto e acolhido como alguém a quem devemos devotar despretensiosamente nosso amor. Pela graça tornamo-nos livres para amar tanto a Deus quanto a nosso próximo; não impulsionados pela culpa neurótica gerada pela lei (superego), mas pelo Espírito de Cristo; não pelo medo de sermos inadequados às expectativas dos outros, mas pelo prazer de encontrar na felicidade alheia a razão de nossa própria felicidade.


Pode-se dizer, então, que o ser concebido no ambiente uterino só alcançará a plenitude de sua humanidade ao ser regenerado, passando pela circuncisão de seu coração.

Hermes C. Fernandes