quinta-feira, 6 de junho de 2019

O Mundo de Baruque

“Palavra que falou Jeremias, o profeta, a Baruque, filho de Nerias, escrevendo ele aquelas palavras num livro, ditadas por Jeremias, no ano quarto de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, dizendo: Assim diz o SENHOR, Deus de Israel, acerca de ti, ó Baruque: Disseste: Ai de mim agora! Porque me acrescentou o SENHOR tristeza ao meu sofrimento; estou cansado do meu gemer e não acho descanso. Assim lhe dirás: Isto diz o SENHOR: Eis que estou demolindo o que edifiquei e arrancando o que plantei, e isto em toda a terra. E procuras tu grandezas? Não as procures; porque eis que trarei mal sobre toda carne, diz o SENHOR; a ti, porém, eu te darei a tua vida como despojo, em todo lugar para onde fores.” (Jeremias 45:1-5 RA)

Baruque (Bendito) é o escrevente de Jeremias, que registra as palavras proféticas proferidas pelo profeta a todo o povo de Judá. As palavras falam do juízo de Deus que recairia em breve sobre todos. Baruque tem a difícil e triste missão de escrever as palavras e de se dirigir ao templo para lê-las em alta voz a todos que passassem por lá.

Em meio às leituras e assimilação do que viria sobre todos, Baruque, de repente, percebe que tudo aquilo também lhe diz respeito, e, então, lamenta sua própria sorte dizendo no íntimo:

“…Ai de mim agora! Porque me acrescentou o SENHOR tristeza ao meu sofrimento; estou cansado do meu gemer e não acho descanso.”

A resposta de Deus por meio de Jeremias não tardou:

“Assim lhe dirás: Isto diz o SENHOR: Eis que estou demolindo o que edifiquei e arrancando o que plantei, e isto em toda a terra. E procuras tu grandezas? Não as procures; porque eis que trarei mal sobre toda carne, diz o SENHOR; a ti, porém, eu te darei a tua vida como despojo, em todo lugar para onde fores.”

Podemos perceber claramente que apesar da palavra profética ser tão abrangente envolvendo o mundo inteiro, Baruque estava mais preocupado consigo mesmo do que com os outros. Seu pensamento era mais ou menos assim: “Deus vai abalar o mundo todo, mas, e eu, como vou ficar?” O mundo de Baruque era mais relevante aos seus próprios olhos do que o mundo dos outros.

Outro espaço que estava sendo negligenciado por ele era o mundo de Deus. Sim, o de Deus! Perceba o que o Senhor diz:

“…Eis que estou demolindo o que edifiquei e arrancando o que plantei…”

Imagina o sentimento do Pai em ter que demolir o que havia edificado e arrancar o que havia plantado?! Ele não está falando de prédios ou plantas, e sim, de nações, de vidas, de gente. O que Ele está dizendo é que em vez de Baruque olhar somente para o seu umbigo, deveria olhar mais pra cima. É difícil imaginar que o Deus Onipotente e Soberano também se entristece e se identifica com o sofrimento alheio. Mas essa é a mais pura e doce Verdade.

E o mundo dos outros? Tudo o que estava para acontecer seria no mundo todo:

“…e isto em toda a terra”.

Levantar os olhos e enxergar para além das nossas próprias necessidades, sempre será a melhor receita para a cura do egoísmo.

O final da resposta divina encerra uma verdade tremendamente simples e profunda.

“E procuras tu grandezas? Não as procures…”

Baruque não deveria estar preocupado com as suas terras, bens, patrimônio ou bem-estar. Tudo naquele tempo estava sendo sacudido. Quem vivesse preocupado com isso, certamente se daria muito mal. Mas havia uma promessa:

“…a ti, porém, eu te darei a tua vida como despojo, em todo lugar para onde fores.”

O despojo era aos olhos do inimigo algo precioso. Matavam-se as pessoas, mas recolhiam-se os despojos pelos valores ali representados. A promessa do Senhor era de que a vida de Baruque seria poupada nas mãos dos adversários por ser ela considerada preciosa aos olhos deles. Resumindo, o Senhor queria que Baruque entendesse o que Jesus ensinou nos evangelhos:

“Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes?” (Mateus 6:25 RA)

A vida é mais importante do que as coisas. Desprendamo-nos, portanto, do que não é essencial e valorizemos o que é importante aos olhos de Deus. Também, ampliemos nossa visão para conseguirmos enxergar os outros mundos que nos cercam além do nosso. (Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo).

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Até quando, Senhor?


O pequeno livro de Habacuque trata de um dos problemas mais difíceis e fundamentais para qualquer pessoa que deseja manter sua fé em Deus. Como explicar as injustiças neste mundo, se Deus realmente está no controle?

O nome Habacuque significa “abraço”, nome que representa bem a atitude deste profeta para com seu povo de Judá. Ele mostrou seu desejo de abraçar e proteger o povo ameaçado pela violência da expansão babilônica. Habacuque profetizou nos últimos anos antes da invasão de Jerusalém pelas forças da Babilônia, um acontecimento que levou à destruição da cidade e do templo 20 anos depois. Foi exatamente nesta época que começou o período de 70 anos que Judá foi dominada pelo império da Babilônia. Durante este mesmo tempo, boa parte dos sobreviventes de Judá foram mantidos em colônias de cativos na Babilônia, longe da sua própria terra.

O livro de Habacuque se divide em três partes principais:

Capítulo 1 apresenta o questionamento pelo profeta, procurando entender o procedimento de Deus para com os homens injustos e suas vítimas.

Capítulo 2 é a resposta principal de Deus, mostrando que ele seria capaz de castigar os rebeldes de Judá e ainda trazer a justiça contra seu instrumento de castigo, a Babilônia.

Capítulo 3 mostra a aceitação pelo profeta desta resposta, Habacuque reafirmando sua confiança no Soberano Deus.

A mensagem de Habacuque nos lembra do livro de Jó, pois trata de um problema parecido: como explicar o sofrimento dos justos? No caso de Habacuque, o profeta começa com a injustiça e violência dominantes na sua própria nação. Ele clama a Deus pedindo justiça para proteger as vítimas inocentes: 
“Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não salvarás? Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa, a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida” (Habacuque 1:2-4).

Mas a resposta de Deus assustou o profeta! Deus lhe disse, basicamente, “Você tem razão. Vejo estas injustiças e já estou trazendo os babilônios para castigar este povo rebelde”. Não foi esta a resposta que Habacuque esperava, pois ainda considerava seu povo de Judá menos ruim que a Babilônia! Habacuque fez uma segunda série de perguntas ao Senhor, perguntando como poderia usar uma nação tão má como a Babilônia para julgar seu povo. Disse que Deus estaria se calando e deixando o perverso devorar “aquele que é mais justo do que ele” (Habacuque 1:13).

Na resposta divina, o Senhor frisou dois fatos importantes de contraste entre atitudes de pessoas: (1) “o justo viverá pela sua fé” (Habacuque 2:4), um princípio citado múltiplas vezes no Novo Testamento; e (2) “tampouco permanece o arrogante” (Habacuque 2:5). Nesta resposta, Deus cita a soberba da Babilônia, que confiava nos seus ídolos e no seu poder militar, dizendo que traria a justiça contra aquela nação.

Mais um fato fundamental é frisado no final do capítulo 2: Deus está no controle! “O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra”(Habacuque 2:20). Habacuque aprendeu esta lição importante, e se calou esperando a justiça divina. Sua inquietação e angústia foram substituídas pela confiança e fé: 

“O SENHOR Deus é a minha fortaleza”(Habacuque 3:19). 

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O dia mais importante para a humanidade

2019 é o ano em que se comemoram os cincoenta anos da chegada do homem à lua. Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar em solo lunar, ao fazê-lo, disse uma frase que até hoje ecoa como a mais triunfal conquista humana de todos os tempos: "É um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a Humanidade" (quem nunca ouviu essa frase é porque deveria – ou, deve – estar no "mundo da lua"). Mas, o que mais me chamou a atenção foi o que disse Richard Nixon, o então presidente estadunidense da época. Com uma empáfia singular, talvez fruto do orgulho americano por serem eles os primeiros a conseguir tal façanha, Nixon falou em alto e bom som que "esse é o dia mais importante para a Humanidade – o dia em que o homem pôs os seus pés na lua". Foi aí que um grande evangelista do século vinte, Billy Graham, resolveu reagir à afirmação de Nixon. Disse Billy: "O dia mais importante para a Humanidade não foi o dia em que o homem pôs os seus pés na lua, e sim, o dia em que Deus pôs os seus pés na Terra". A Casa Branca estremeceu!

A declaração de Billy Graham é largamente confirmada pelas Escrituras. Há cerca de novecentos e quarenta anos antes de Cristo nascer, Salomão já questionava: “de fato, habitaria Deus na terra?” (2 Rs 8.27). O evangelista João responde que “sim”, que o “verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). O “Servo Sofredor” de Isaías 53, finalmente, saiu das páginas do papiro para as páginas da História, ao tabernacular entre nós. As grandes profecias concernentes à vinda do Messias estavam sendo plenamente cumpridas (Gn 3.15; Dt 18.15-19; Is 7.14; 9.6,7; 61.1-3). E, ao contrário do que muitos possam pensar, a data do nascimento de Cristo não foi escolhida aleatoriamente, como se o planejamento de Deus fosse, de alguma forma, impreciso. De acordo como o apóstolo Paulo, Deus escolheu “a plenitude do tempo” para enviar Seu Filho, “nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4 – Is 49.8). Ao mesmo tempo em que o apóstolo defende o nascimento virginal de Cristo, bem como a sua divindade e humanidade plenas (as “duas naturezas”), ele também faz uma apologia da Sabedoria e Providência de Deus em escolher o tempo preciso para a encarnação do Seu Filho. Ainda assim, tudo isso teve um propósito específico: “resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.5). Jesus não veio à Terra simplesmente para tornar-se carne e ponto final. Se assim o fosse não caberia a Ele o título de “Salvador”. O anjo que anunciou a José o nascimento de Cristo disse-lhe que Jesus (nome que significa “O Senhor é a salvação”) viria à Terra para salvar “o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Jesus veio fazer o que homem nenhum conseguiu e jamais conseguirá: cumprir a lei de Deus (Mt 5.17). Por este motivo é que “aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feito justiça de Deus” (2 Co 5.21). Simeão bem sabia disso, quando louvou a Deus dizendo: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para a glória do teu povo de Israel” (Lc 1.29-32).Tanto para Simeão quanto para todos os outros santos e profetas aquele tinha sido o dia mais importante para a Humanidade.

Cincoenta anos se passaram e o homem jamais conseguiu voltar à lua. Aliás, esse fato é alvo de muitas controvérsias. Há muitas teorias que buscam provar a farsa da NASA, haja vista o momento político da época, em que os Estados Unidos queriam provar a sua supremacia tecnológica sobre a emergente União Soviética (Capitalismo x Socialismo). Todavia, não é nosso objetivo, aqui, entrar no mérito da questão. O fato é que, se ainda há dúvidas sobre a odisseia lunar empreendida pelos norte-americanos, não nos resta dúvida da “odisseia terráquea” empreendida por Deus, a saber, a de enviar-nos o Seu Filho – Jesus Cristo, a “Luz do mundo” (Jo 8.12). Também não nos resta dúvida de que Cristo voltará à Terra (ao contrário do homem, que jamais conseguiu voltar à lua), desta vez não para derramar novamente seu sangue na cruz (Hb 9.11-28), mas “com poder e grande glória”, para promover a redenção final daqueles que Lhe pertencem (Lc 21.27,28). Maranata!

sábado, 11 de maio de 2019

A Visita Histórica Divina ao Planeta terra

A simples afirmação de que Deus criou os céus e a terra é um dos conceitos mais desafiadores que confrontam a mente moderna. O Sol completa uma órbita na Via Láctea a cada 225 milhões de anos — viajando a mais de 777 mil de km/h. Somando tudo, nós, terráqueos, estamos nos deslocando com o sistema solar pela galáxia a astronômicos 871.781 km/h! E isso que ainda tem a velocidade com a qual a Via Láctea está perambulando pelo universo. 

Alguns cientistas afirmam que o número de estrelas na criação é igual a todos os grãos de areia de todas as praias do mundo. Ainda assim, este complexo mar de estrelas em movimento funciona com notável ordem e eficiência. Dizer que o Universo “surgiu” ou “evoluiu” requer mais fé do que acreditar que Deus está por trás dessas estatísticas surpreendentes. Deus criou um Universo maravilhoso. 

O mundo não é um produto da casualidade e probabilidade; Deus o criou! 

Deus deu o último passo em direção à reconciliação conosco através da sua visita histórica ao planeta na pessoa de Seu Filho, Jesus Cristo. 

Como dizia o grande evangelista do século XX, Billy Graham _ “O maior acontecimento da história não foi o homem subir e pisar na lua, foi Deus descer e pisar na terra”. 

O “Servo Sofredor” de Isaías 53, finalmente, saiu das páginas do papiro para as páginas da História, ao tabernacular entre nós. Podemos conhecer de maneira bem pessoal este Deus que criou o Universo.
(Bíblia de Estudos Aplicação Pessoal).

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Vivendo nos Tempos Finais com um Olhar em Daniel

Como a fé cristã pode ser identificada em um mundo que não se entende como cristão? Como pode permanecer reconhecível e vigorosa numa época que cada vez mais se desvincula de conteúdos e valores cristãos? De que modo a nossa fé manterá um perfil que não permita que seja dissolvida ou submerja no mainstream social geral?
Essas perguntas não são novas. Na verdade, são tão antigas quanto a própria fé no Deus da Bíblia. A fé no Deus único da Bíblia sempre esteve em conflito com outras influências, posturas e comportamentos estranhos à fé bíblica.
Se examinarmos a Escritura Sagrada, veremos que o conflito entre adaptação e resistência constitui um tema constante para a fé bíblica. Encontramos Arão, o irmão de Moisés, cedendo à pressão do povo por adaptação e substituindo o Deus do Sinai por uma imagem dourada de um touro. Por outro lado, vemos também como Daniel e seus amigos se mantêm firmes diante da pressão por adaptação na corte babilônica e não abrem mão da sua identidade judia. No profeta Jeremias podemos observar como sua pregação contraria as palavras dos profetas daquele tempo e como ele precisa pagar sua atitude com desprezo à sua pessoa e com sofrimento. Um olhar para os evangelhos mostra-nos a incorruptibilidade e a resistência do Senhor Jesus. Paulo, finalmente, desafia abertamente a igreja em Roma a não se conformar a este mundo (Rm 12.2).
A seguir daremos uma atenção mais detida a Daniel e a seus três amigos. Segundo Gerhard Meier, podemos aprender do livro de Daniel o que significa confiança em Deus, obediência aos mandamentos de Deus e fidelidade até o martírio. Esse livro, um tanto misterioso em muitas passagens, revela hoje em dois sentidos uma atualidade particular. Por um lado, ele nos mostra como podemos viver como cristãos na diáspora. Crentes em situação social minoritária e expostos à pressão de um público ou uma sociedade não-cristã ou anticristã podem aprender com o livro de Daniel. Muitos cristãos em países muçulmanos vivem em situação de minoria, mas mesmo entre nós aqui no Ocidente sentimos crescentemente a pressão por adaptação à tendência social predominante.
Outra coisa que observamos em Daniel é a perspectiva escatológica. O livro de Daniel testifica de uma forte esperança pelo reino vindouro de Deus. Essa esperança vem acompanhada de grandes abalos. Como cristãos, vivemos hoje numa situação comparável. Impérios vêm e vão, e a nossa terra sofre múltiplos abalos. No meio de tudo isso, porém, esperamos o novo mundo de Deus.
Quero agora tentar descrever em cinco tópicos um estilo de vida escatológico que se opõe à pressão por adaptação:
1. Manter firmeza de coração. O livro de Daniel nos introduz nas violentas convulsões ocorridas no Oriente Médio no sexto século antes de Cristo. No ano de 605, o rei babilônico Nabucodonosor vence a grande potência egípcia na batalha de Carquemis, conquistando com isso um domínio irrestrito naquela região. Em seu retorno à Babilônia, ele avança pela primeira vez contra Jerusalém, saqueia o templo e providencia deportações. Daniel e seus três amigos são levados à Babilônia e submetidos a um grande programa de reeducação na corte daquele despótico rei. Nabucodonosor equipara-se nisso aos tiranos de todos os tempos. Ele procura jovens isentos de debilidades, belos, bem-dotados e inteligentes, os quais pretende “enquadrar”. Para isso, deverão não apenas aprender a língua e a escrita dos babilônios; eles devem também acostumar-se à culinária babilônica. Nesse contexto eles são renomeados. Daniel (Deus é meu Juiz) logo se tornará Beltessazar (Bel, o deus pagão, proteja sua vida). – A transição para o cardápio pagão torna-se uma séria prova de fé para Daniel. Os babilônios comem animais considerados impuros segundo a lei judaica. Além disso, tomam vinho dedicado e em parte oferecido aos deuses. A questão da comida não é nenhum adiáforo, ou seja, algo de importância secundária. Antes, trata-se aqui da obediência ao mandamento de Deus.
Em sua família de origem judaica, Daniel aprendeu os regulamentos alimentares dos judeus e também os praticou. Agora ele é pressionado a abandoná-los ou a admiti-los como suas próprias convicções. Ainda como jovem, Daniel enfrenta uma situação decisiva de amplo alcance. Permanecerá ele fiel às suas convicções ou adaptará estas às circunstâncias externas, cedendo à pressão? Podemos também formular essa pergunta assim: como cristãos, onde somos induzidos a nos adaptar ao contexto cultural? Onde precisamos distinguir-nos e obedecer a Deus mais que aos homens?
Daniel se adaptou em vários aspectos. Ele precisou ocupar-se com a língua, a escrita e a ciência pagãs. Ele se movimenta diariamente na corte do rei e interage com pessoas a quem sua fé nada significa. Ele está presente às festas pagãs e até recebe um novo nome. Daniel vive totalmente imerso em um mundo pagão. Ao mesmo tempo, porém, ele toma uma decisão fundamental. Ele não quer tornar-se impuro. Com toda a solidariedade externa com aquele império pagão, em seu coração ele permanece fiel a Deus. Assim, lemos: “Daniel, contudo, decidiu não se tornar impuro com a comida e com o vinho do rei”.
Em seu coração, Daniel toma a firme decisão de permanecer fiel às tradições que sua educação judaica lhe incutiu. Ninguém o força exteriormente a tomar essa decisão. Antes, neste ponto ele assume responsabilidade por si mesmo. Quer permanecer fiel ao seu Deus, à sua fé e à sua educação religiosa.
Podemos extrair três lições desse evento. Por um lado, necessitamos proporcionar às crianças uma formação decididamente cristã. Elas necessitam de tradições, hábitos e rituais que mais tarde lhes possam fornecer apoio na vida. Nesta chamada era pós-moderna, cuja característica inclui a total ruptura com as tradições, enfrentamos grandes desafios. Como poderemos cultivar para nós mesmos tradições úteis e repassá-las à geração seguinte?
Nossas crianças necessitam de tradições, hábitos e rituais que mais tarde lhes possam fornecer apoio na vida.
Outro ponto que se destaca neste contexto é o fato de que Daniel elabora sua própria decisão. Uma tradição precisa ser assumida. É preciso assumir responsabilidade pessoal pelas tradições. Não basta assumir a fé exteriormente. Há necessidade de uma “motivação intrínseca”.
Finalmente, em um mundo secular ou também multirreligioso, a fé impõe decisões. Tomar decisões, porém, significa que um cristão não cederá simplesmente e se deixará arrastar com a grande corrente, mas confessa sua posição e com isso assume responsabilidade.
Tal confissão requer coragem. O Novo Testamento informa-nos que Jesus Cristo reconhece e abençoa decisões como esta (Mt 10.32). Daniel também experimenta a confirmação de Deus. Não só ele experimenta a boa vontade do copeiro real, como também é premiado com saúde, bem-estar e sabedoria divina.
2. Obedecer mais a Deus que aos homens. No segundo ano do seu reinado (aprox. no ano 602), Nabucodonosor é profundamente angustiado por um sonho noturno, mas ele não lembra mais o conteúdo do sonho. Por isso ele ordena aos videntes e sábios do seu reino que lhe comuniquem tanto o conteúdo como a interpretação do sonho. Estes, porém, se veem sobrecarregados e precisam reconhecer: “O que o rei está pedindo é difícil demais; ninguém pode revelar isso ao rei, senão os deuses, e eles não vivem entre os mortais” (2.11). Os representantes do esoterismo pagão chegaram ao fim da sua arte e precisam confessar a necessidade da ajuda de outros deuses, desconhecidos na Babilônia. Finalmente, Daniel toma a iniciativa. Como ele vê a si mesmo e também os magos pagãos em perigo de vida, ele se dirige ao rei e pede um prazo para interpretar o sonho. Daniel procura seus amigos. Juntos eles oram ao Deus que “revela coisas profundas e ocultas; conhece o que jaz nas trevas” (2.22) a fim de que ele lhes revele o sonho. Finalmente, Daniel recebe em uma visão noturna uma tremenda revelação dos reinos deste mundo e de sua desintegração.
A interpretação do sonho por Daniel assustou profundamente Nabucodonosor. Por isso é compreensível que ele trate de fazer tudo que está ao seu alcance para firmar e unir o seu reino – e o que poderia ser melhor para isso do que um grande ato de Estado que obrigasse todos os súditos à adoração do Deus único? Nabucodonosor manda fazer uma estátua revestida de ouro, com cerca de 30 metros de altura e aproximadamente 3 metros de largura. Considerando seu perfil delgado, pode ter sido um obelisco. Para inaugurar esse símbolo da unidade de Estado e religião, ele convida todos os governadores provinciais e representantes da justiça e da administração pública. A unidade do império é questão prioritária. Por isso, os representantes das diversas regiões do império estariam comprometidos com a adoração da estátua.
Assim, também os três amigos de Daniel foram convocados a essa cerimônia oficial em suas funções de governadores distritais. Como judeus, consideram-se comprometidos com o primeiro mandamento. Por isso recusam-se a adorar o ídolo. A informação é levada a Nabucodonosor: “Mas há alguns judeus... que não te dão ouvidos, ó rei. Não prestam culto aos teus deuses nem adoram a imagem de ouro que mandaste erguer” (3.12).
No fundo, o que se passa aqui é ridículo. O que representam três homens entre milhares, talvez até milhões de pessoas que adoram o deus oficial? O império de Nabucodonosor representa o estado anticristão totalitário. Ele exige submissão total. Quem não se submeter é afastado, excluído, difamado, perseguido ou até morto. Temos aqui as características de uma ditadura. A história está cheia delas.
Nós hoje vivemos numa democracia. Há liberdade de opinião, tolerância e liberdade – e liberdade significa sempre a liberdade do divergente. Ainda assim, também em nossa sociedade libertária esbarramos em limites. Existe algo como uma corrente da opinião pública, da qual é difícil escapar. Quem se opõe ao mainstream e não aprova tudo o que a massa ou os formadores de opinião social defendem, é rapidamente excluído e difamado. Infelizmente isso também se manifesta em muitas igrejas. Existe algo como uma correção política daquilo que se pode dizer, escrever ou pensar e o que não pode. Há exemplos de sobra disso no mundo eclesiástico e acadêmico. É injusto quando, por exemplo, um congresso de igrejas exclui o “Serviço de Evangelização de Israel” de sua área de atuação. Da mesma forma é injusto quando grupos como o Wuestenstrom [Corrente no Deserto], que pleiteiam um tratamento alternativo de pessoas com tendências homossexuais, não encontram espaço no maior encontro protestante europeu.
Quem se opõe ao mainstream e não aprova tudo o que a massa ou os formadores de opinião social defendem, é rapidamente excluído e difamado.
Passamos hoje por uma situação agitada no relacionamento com os muçulmanos. Quem arriscará dizer que as diferenças entre o islã e o cristianismo são intransponíveis? Quem arriscará dizer que o cristianismo e o islã jamais poderão se irmanar? Quem arriscará contestar a tendência de equalização?
Como resistir à adaptação? Os três amigos de Daniel obedecem em sua situação mais a Deus que aos homens. Onde a liberdade do evangelho e da fé está em jogo e é ameaçada, aplica-se esta máxima. Os cristãos são leais ao seu Estado enquanto puderem expressar livremente sua fé. Onde se procura inibir isso, eles respondem e obedecem a uma lealdade superior.
3. Suportar sofrimento. A Babilônia criou fama como a terra das fornalhas. Queimavam-se tijolos e fundiam-se minérios em fornos-túnel. Com aquecimento a carvão vegetal, essas fornalhas atingiam temperaturas de até 1.000 graus. Foi numa fornalha desse tipo que os três amigos de Daniel seriam lançados. Eles se recusaram a adorar o ídolo. Agora precisam contar com as consequências e são atirados na fornalha ardente.
A igreja dos tempos finais que resistir à pressão por adaptação não poderá escapar do sofrimento. Jesus mesmo alertou seus discípulos de que seriam lançados nas prisões, conduzidos à presença de reis e governadores e que seriam odiados por todos (Lc 21.12ss). Paulo escreve à igreja de Filipos: “Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Fp 1.29). A carta aos Hebreus dirige o olhar da igreja sofredora para Cristo, que já sofreu na cruz por ela e suportou a oposição dos homens (Hb 12.1ss).
Há uma afinidade íntima entre seguir a Cristo e sofrer. Os discípulos de Jesus são enviados “como ovelhas no meio de lobos”. Manfred Seitz lembra que a igreja é abençoada no martírio. Para que ela é abençoada? Para que a igreja de Jesus permaneça de fato autêntica e sua vida espiritual não se torne rasteira, ela precisa de uma certa medida de sofrimento. Caso contrário, ela se desprenderá de Cristo e passará a vagar ao sabor de muitas correntezas. Apenas o sofrimento ancora ela firmemente na Palavra de Deus.
Outra bênção do sofrimento consiste em que as denominações separadas se aproximem nessa situação. Seitz lembra aqui as experiências de cristãos luteranos e ortodoxos na Rússia durante a revolução bolchevique e os encontros entre católicos e protestantes nos campos de concentração da Alemanha nazista. No confronto com o império anticristão, que reivindica submissão total, resta à Igreja somente o sofrimento. Karl Hartenstein diz: “Para a igreja não existe revolução, apenas o sofrimento”.
No entanto, em todo sofrimento existe também uma experiência espiritual fundamental. Os sofredores são sustentados e guardados por Cristo de modo especial. Exatamente essa experiência é concedida também aos três amigos de Daniel. Ao entrarem na fornalha, uma quarta pessoa se associa a eles, de modo que Nabucodonosor esfrega os olhos espantado: “Não foram três os homens amarrados que nós atiramos no fogo?... Olhem! Estou vendo quatro homens, desamarrados e ilesos, andando pelo fogo, e o quarto se parece com um filho dos deuses” (3.24b-25).
A carta aos Hebreus oferece uma interpretação desse milagre. Ela diz: “[Pela fé] apagaram o poder do fogo” (Hb 11.34). Com efeito, os três amigos confiaram na supremacia do seu Deus. “... o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das tuas mãos, ó rei” (3.17).
A história do seu povo ensinou aos três que o seu Deus pode salvar. Se ele salvou Israel do mar Vermelho, ele também poderia salvar naquela situação. Por outro lado, a história dos mártires cristãos mostra que nem sempre o desfecho é tão feliz como no caso dos amigos de Daniel. Ainda assim permanece a certeza de que também aqueles que sofrem por amor a Cristo são sustentados pela sua mão. Em 1917, na região do Báltico, o professor de teologia Traugott Hahn foi primeiro preso pelos bolcheviques e depois morto. Sua esposa escreve em retrospectiva:
“Naquela escuridão quase anestesiante da primeira dor, brilhou da cruz de Cristo o ‘apesar’ da fé. Acaso o mal não havia aparentemente vencido no dia da crucificação? E, no entanto, foi a maior vitória jamais conquistada, o maior ato de amor de Deus em favor dos homens. Assim, também nós pudemos crer nas intenções amorosas de Deus, embora evidentemente ainda estivessem encobertas para nós. Não havia Deus também fortalecido intimamente o meu marido para que pudesse trilhar em obediência a ele o amargo caminho para a morte, e não foi essa vitória íntima maior do que teria sido uma salvação física?”
4. Cultivar a piedade persistentemente. Agora aparece uma nova figura no palco da política mundial: Dario, o rei dos medos. Uma das suas primeiras providências como novo rei foi uma reforma administrativa. Ele subdivide seu gigantesco império: Mesopotâmia, Síria, Fenícia, Israel. Além dos 120 sátrapas, ele ainda institui três supervisores como espécie de instância intermediária entre ele e os sátrapas. Um desses foi Daniel. Assim, Daniel assume um alto posto no governo. Ele é bem-sucedido e faz carreira. Fé em Deus, bem como progresso e sucesso não se opõem, mas são perfeitamente compatíveis.
No entanto, Daniel encara a intriga da oposição. Seu sucesso desperta os invejosos que sabem exatamente por onde pegá-lo. Como seu procedimento é ilibado, resta só a sua fé como aspecto vulnerável. Eles intervêm junto ao rei. Pedem que este outorgue uma lei que proíba orações a um deus estranho. O fato de essa lei ser lavrada por escrito confere-lhe um peso particular.
A reação de Daniel a esse decreto é impressionante: “Quando Daniel soube que o decreto tinha sido publicado, foi para casa, para o seu quarto, no andar de cima, cujas janelas davam para Jerusalém e ali fez o que costumava fazer: três vezes por dia ele se ajoelhava e orava, agradecendo ao seu Deus” (6.10).
Daniel não se perde em agitação ou pânico, nem se torna agressivo. Ao contrário, ele mantém com toda a calma seu hábito de orar três vezes ao dia. Daniel também não contemporiza. Teria sido compreensível interromper as orações por apenas trinta dias! Ou então orar com as janelas fechadas. Nada disso é relatado. Daniel resiste à pressão por adaptação. Cultiva seus hábitos persistentemente e assim permanece fiel ao seu Senhor. A oração de Daniel torna-se uma confissão de fé.
Passamos hoje por uma situação agitada no relacionamento com os muçulmanos. Quem arriscará dizer que as diferenças entre o islã e o cristianismo são intransponíveis? Quem arriscará dizer que o cristianismo e o islã jamais poderão se irmanar?
Em nossos dias, a oração corre perigo. Ou não encontramos tempo para ela ou achamos que se pode perfeitamente renunciá-la. Perguntaram ao velejador Gebhard Rollo, que deu a volta ao mundo, se também havia orado no percurso. Sua resposta: “Não! Isso é para os fracos”. Este é o espírito que nos cerca. Como, porém, pode sobreviver espiritualmente uma cristandade que deixou de orar ou que não encontra mais tempo para a oração? Sem a oração, a fé não tem como encarar a diáspora. Daniel conhecia esse segredo, e por isso ele mantém seus horários de oração.
Por meio da oração, Daniel imprime um foco à sua vida. Simbolicamente, isso se expressa pela orientação a Jerusalém que ele dá à oração. Sem tal orientação diária, nossa fé será frágil e nosso relacionamento com Deus, superficial. Hábitos espirituais como um horário certo de oração por dia são uma ajuda para conferir um perfil à nossa fé. Eles ajudam a nos orientar, purificar e clarificar. Particularmente em nossos tempos tão inundados pela mídia, tais hábitos representam um auxílio genuíno.
5. Manter viva a esperança pela volta do Senhor. O sétimo capítulo do livro de Daniel abre um novo horizonte. Em primeiro plano estão as visões de Daniel sobre o futuro do mundo e do reino de Deus.
Antes de tudo, Daniel vislumbra os quatro ventos (mensageiros de Deus) que movem o mar (dos povos). Toda a humanidade está em rebelião contra Deus. Essa rebelião encontra sua expressão concreta na forma dos quatro animais que se elevam do mar dos povos. Trata-se de potências humanas que, desvinculadas de Deus, trazem em si um caráter animalesco. A sequência dos animais é leão com asas de águia, urso, leopardo e um aterrorizante animal desconhecido.
Na Bíblia, o leão e a águia são figuras dos grandes impérios (cf. Jr 2.15; Ez 17.3). No entanto, o reino sobre-humano do leão é debilitado. Arrancam-se as asas dele e ele recebe um coração humano. O reino poderoso torna-se fraco, humano e temeroso. Muitos aspectos sugerem tratar-se do império persa, diante de cujo poder todo o mundo estremecia. Ao final, porém, ele é atropelado por Alexandre, o Grande (cf. Dn 8.4,7). A característica do urso é, além da sua força, seu apetite insaciável. O urso se levanta. Assume posição de ataque. Na boca ele ainda carrega três costelas, restos da presa que acabou de devorar. Mal abateu uma vítima, ele já busca a próxima. A interpretação encaixa-se bem em Alexandre, o Grande e o seu império. Já no leopardo destacam-se as quatro asas e cabeças. Elas representam o poder de abrangência mundial desse animal. Sua interpretação se encaixa melhor no mais universal dos antigos impérios – o Império Romano. Este torna-se precursor do império mundial anticristão. O quarto animal tem caráter próprio – ele é terrível e destruidor. Os dez chifres são expressão do seu imenso poder. O chifre pequeno (o décimo-primeiro) que brota dele pode ser atribuído à pessoa do Anticristo.
Vemos aí na Escritura Sagrada pela primeira vez a figura do Anticristo. Ele emerge do mar dos povos e alcançará um poder inacreditável. Seu objetivo é destruir a igreja de Deus e abolir os tempos, as ordenanças e as leis que Deus deu a este mundo. Ele possui algo de totalitário e assumirá o lugar do próprio Deus. Como “homem do pecado” (2Ts 2.3-4,8; cf. Mt 24.12), ele abolirá a ligação entre a consciência e os mandamentos de Deus. Ele anuncia o amor, a guarda contra o sofrimento, o alívio na luta pela vida e tudo aquilo que finalmente libertará a sexualidade daquilo que a restringe. Ele elimina a vida nascitura. “O Anticristo incorpora, representa e proclama aquilo que no presente momento mundial é o humano, o evidente, o que merece aprovação e o absolutamente indispensável” (Manfred Seitz). Finalmente, a carta de João diz que ele nega a divindade de Jesus Cristo. Ele representa uma forma de fé. Ele talvez ainda saiba dizer “Jesus”, mas não mais que este é o Cristo. Neste ponto há controvérsias. Na linguagem moderna, o seu espírito se manifesta onde Jesus é considerado apenas um mestre ético, mas não mais Senhor e Salvador do mundo.
A atual igreja evangélica se cala sobre essa misteriosa figura do Anticristo. Existe aí uma espécie de “correção clerical”, um acordo tácito sobre o que se pode dizer publicamente na igreja para não ser condenado como conservador, fundamentalista, anticientífico, biblicista ou excessivamente piedoso. É preciso discernir os espíritos. A Bíblia adverte contra a sedução anticristã.
Agora, porém, abre-se neste sétimo capítulo mais uma outra porta. Além da figura do Anticristo, Daniel vê ainda uma outra. É o Filho do Homem que vem do céu e a quem Deus concede todo o poder e toda honra. O Filho do Homem é considerado o soberano escatológico investido por Deus. Este não é outro senão Jesus Cristo. Deus envia o Filho do Homem ao nosso mundo dominado pelo reino animal para redimi-lo e vencer o animal. É em direção a este último confronto que caminhamos como igreja de Jesus Cristo. Cristo terá a última palavra. Ele vencerá o poder do Maligno. Cabe sustentar a esperança pelo retorno do Senhor que predomina sobre todos os poderes e autoridades deste mundo.
Daniel nos mostra como podemos, na condição de cristãos, resistir à pressão por adaptação. O capítulo 12 diz: “Mas você, Daniel, feche com um selo as palavras do livro até o tempo do fim. Muitos irão por todo lado em busca de maior conhecimento”. – A Palavra de Deus é o que nos sustenta, que nos abre os olhos e dá forças para resistir. Nossa missão como igreja é guardar a Palavra de Deus de forma autêntica, como um diamante em sua pureza e transparência. Dr. Rolf Sons

sábado, 4 de maio de 2019

Chamado à Santificação

“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Hb. 12,14).

No capítulo 12 da carta aos Hebreus, a santificação ocupa posição de proeminência. Deve ser priorizada, almejada e perseguida: “Segui a paz com todos e a santificação” (Hb 12.14). Há, aqui, a ideia de algo que deve ser buscado com firmeza de propósito, com determinação. Faz parte dos planos eternos de Deus que cada filho Seu alcance a santificação e, para isso, o próprio Deus dedica-Se à educação deles: “É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hb 12.7).
Esse princípio é repetido no verso 10 deste capítulo: “Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento”. Santificação é o meio que Deus usa para conduzir Seus filhos pelos caminhos da fé, preparando-os para receber graça sobre graça: “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós” ( Js 3.5).

I. Exortação à santificação (Hb 12.12-17)

Santificação é o processo de modelagem pelo qual a essência da imagem e semelhança de Deus, desonrada pelo pecado, vai sendo regravada no coração do homem. A santificação é operada pelo Espírito Santo de Deus e leva em conta a renúncia do “eu”, desejos e vontades da carne, pela decisão incondicional de seguir a Cristo.
Numa direta conexão com o parágrafo anterior, que tratou dos atos disciplinares de Deus, a carta apresenta, agora, os aspectos pertinentes ao esforço do cristão. São palavras de encorajamento que, também, trazem à memória promessas extraídas de porções proféticas. O objetivo do autor é levar seus leitores a uma busca constante e diligente (esforço pessoal) do padrão divino de espiritualidade (santidade), que se opõe aos fracassos e derrotas da carne. São conselhos que devem ser observados.

1. Não se deixe abater pelo desânimo (Hb 12.12)

Usando Isaías 35.3, o autor da carta aos Hebreus traz à memória as bênçãos do reino restaurado, prometido àqueles que permanecem firmes. Tanto o profeta Isaías como o autor dessa carta têm em mente a eficácia da vigilância espiritual – santificação (Is 35.4). Mãos descaídas e joelhos trôpegos reproduzem uma imagem negativa, sugerem desalento e ruína, inadequados àqueles que têm a promessa da vitória em Cristo (Rm 8.37; 1Co 15.57-58).

2. Não pegue atalhos (Hb 12.13)

A exortação aqui é contra os descaminhos que conduzem à perdição. Eles são ameaça à vida espiritual. O caminho que conduz à cidade eterna não tem atalhos ou desvios, é caminho reto por onde pode andar com segurança até mesmo “o manco”. “Existem ‘mancos’ entre as fileiras dos filhos de Deus. Eles são especialmente ameaçados na vida espiritual” (Fritz Laubach, p.212).

3. Siga a paz (Hb 12.14)

Esforçar-se em prol da paz é dever de todos. Compartilhar com o próximo a paz que temos em Deus faz parte do processo da nossa santificação (cfRm 12.17-20). A paz que domina o coração do cristão deve, também, guiar o seu relacionamento interpessoal. “Aparta-te do mal” (Sl 34.14).

4. Busque a santidade (Hb 12.14)

Santificação é separação do pecado para Deus; sugere pureza de alma, consagração, desvio de contendas, da imoralidade, da incredulidade e de qualquer tipo de idolatria; é indispensável para um viver vitorioso e agradável a Deus; deve ser buscada constantemente, pois só a santificação corrige as imperfeições geradas pelo pecado e leva o homem a participar da própria santidade de Deus: “… Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.10).

5. Evite a contaminação (Hb 12.15)

O autor associa amargura com contaminação. A amargura corrompe, começa dentro da pessoa e vai contaminando o ambiente todo. Santificação pressupõe vigilância pessoal e propósito firme para o combate a qualquer raiz que possa produzir amargura (cfDt 29.16-19). O antídoto, aqui, é o apropriar-se da graça: “ninguém seja faltoso, separando-se da graça”.

6. Cuidado com as escolhas (Hb 12.15-18)

Aquele que se desvia da graça é comparado a Esaú, que trocou seu direito de primogenitura por um repasto. “Sua estultícia em trocar seu privilégio como filho primogênito veio a ser um exemplo de todos aqueles que colocam vantagens materiais ou sensuais antes da sua herança espiritual” (Guthrie, p.242). Segundo alguns comentaristas, a palavra “profano” pode ser entendida como irreligioso – alguém que caminha na contramão da espiritualidade.
A terrível escolha de Esaú não podia ser desfeita: “não achou lugar de arrependimento” (Hb 12.17). Escolhas erradas podem deixar marcas irreversíveis naqueles que se apartam da “graça de Deus”.]

II. O Sinai terreno e a Sião celestial (Hb 12.18-24)

Nesse parágrafo, o autor retoma o tema principal: a supremacia da nova aliança. Os elementos físicos e estrondosos percebidos na outorga da lei, no Sinai, dão lugar ao “sangue da aspersão que fala coisas superiores”, no monte Sião, a Jerusalém celestial, símbolo do evangelho da graça, que nos compromete com a santificação.

1. As marcas do Sinai terreno (Hb 12.18-21)

Não obstante reverente e majestosa, a revelação divina no Sinai expressa a imperfeição e a limitação da antiga aliança, e os efeitos assustadores que provocava nas pessoas.
a) Percebidas através dos sentidos físicos (Hb 12.18-19)
A outorga da lei foi acompanhada por sinais palpáveis aos homens. O pano de fundo dessa porção foi extraído dos relatos de Êxodo 19.12-25; 20.18-21 entre outros. A ideia do autor é trazer à memória os aspectos físicos que cercavam a antiga aliança.
b) Caracterizadas pelo medo (Hb 12.20-21)
A natureza inspiradora de temor daquele evento fala por si mesma. As manifestações visíveis de Deus eram aterradoras: o fogo, as trevas, a tempestade e o clangor da trombeta caracterizavam o juízo divino, impossível de ser suportado pelos homens. A citação: “pois já não suportavam o que lhes era ordenado” (Hb 12.20) dá ideia do pavor que o espetáculo glorioso proporcionava. O autor chega a interpretar os sentimentos do próprio Moisés: “Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse: Sinto-me aterrado e trêmulo” (Hb 12.21).
c) Protagonizadas por um Deus distante (Hb 12.20)
Na antiga aliança, o relacionamento de Deus com o Seu povo é marcado pelo distanciamento, pela separação, a exemplo da proposta do Santo dos Santos. O texto de Êxodo 19, citado pelo autor, mostra o método usado por Deus para relacionar-Se com a Sua criação na antiga aliança: “Marcarás em redor limites ao povo, dizendo: Guardai-vos de subir ao monte, nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte será morto” (Êx 19.12-13).

2. O caráter distintivo da nova aliança – Sião celestial (Hb 12.22-24)

Em profundo contraste com a antiga, a nova aliança enfatiza o acolhimento divino expresso na graça disponível aos que creem. Não há mais lugar para o medo nem para o distanciamento de Deus. A santidade de Deus permanece inabalável; todavia, na nova aliança, é cercada de abundante graça.
a) Percebido através dos sentidos espirituais (Hb 12.22)
A proximidade com Deus dá o toque espiritual que contrapõe o Sinai, o lugar da lei, com a Jerusalém celestial, a cidade do Deus vivo, o lugar da redenção. A linguagem usada dá um tom vívido de espiritualidade. Não há nada terreno ou físico que possa sugerir alguma limitação ou imperfeição à nova aliança. A ideia é dar ênfase a esse caráter espiritual da nova aliança.
b) Caracterizado pela alegria (Hb 12.22-23)
Não estão mais em foco as demonstrações aterrorizantes do Sinai. Deus mudou a forma. A nova aliança se caracteriza por uma assembleia festiva, alegre e encorajadora. O contexto sugere paz e harmonia. Os adoradores são estimulados a uma adoração verdadeira e espontânea. O texto sugere um ambiente de profunda comunhão e grande gozo, resultantes dessa exuberante festa espiritual.
c) Protagonizado por um Deus acessível (Hb 12.24)
É oportuno lembrar, aqui, uma das mais preciosas citações de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Jesus é o Deus Filho, o Mediador da nova aliança, Aquele que bondosamente chama as pessoas para O seguirem, andarem com Ele e aprenderem Dele. Em Cristo, um “novo e vivo caminho” nos aproxima de Deus (Hb 10.19-22). O acesso a Deus agora é possível porque o sangue da nova aliança justifica; enquanto, na antiga aliança, o sangue de Abel acusava.

3) Atenção à voz de Deus (Hb 12.25-29)

A última seção deste capítulo começa com uma advertência solene: “Tende cuidado, não recuseis ao que fala” (Hb 12.25). Não sejam tais como aqueles que “suplicaram que não se lhes falasse mais” (Hb 12.19). O sangue de Cristo é, agora, a voz de Deus. Nossa responsabilidade é infinitamente maior. Uma vez que somos parte da nova aliança, firmada no evangelho da graça, que fala de um reino eterno e inabalável, espiritual e não terreno, devemos ter ouvidos atentos Àquele que fala coisas superiores.
a) Deus ainda é o mesmo (Hb 12.25)
Aquele “que dos céus nos adverte” e Aquele que “os advertia sobre a terra” (Hb 12.25) são os mesmos. A substituição dos estrondos pela sublimidade da graça não indica que Deus Se tornou condescendente com o pecado. Na verdade, a advertência celestial exige maior responsabilidade do homem. A severidade de Deus transcende o tempo e a geografia do universo. Se os israelitas não escaparam devido à sua incredulidade, muito menos nós escaparemos, especialmente porque temos a plena revelação de Cristo e Sua obra mediadora. Deus muda o método, jamais Seus princípios. Há, neste verso 25, uma síntese da exortação já comunicada em Hebreus 2.1-4.
b) A inabalável aliança exige santidade (Hb.26-27)
Os fenômenos físicos que acompanhavam a antiga aliança caracterizavam coisas que podem ser abaladas, coisas ligadas ao que é terreno, transitório e passageiro, que, segundo o autor desta carta, serão “ainda uma vez por todas” abaladas. Está em foco aqui um acontecimento vindouro, acompanhado de estrondos sobrenaturais (cf2Pe 3.10-13). Com isso em mente, ele transmite a ideia da superioridade da nova aliança, definitiva e inabalável, “autenticada” pelo “sangue da aspersão”, o sangue do Cristo vivo que “ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb 13.8).
O autor retoma o tema da santificação quando fala da “remoção dessas coisas abaladas”: um aviso e um apelo à espiritualidade. A santificação deve ser o alvo e o estilo de vida dos cristãos (cfHb 12.14), que os mantém ligados no que é próprio do mundo perene (2Co 4.18; 1Pe 1.13-16).
c) No reino espiritual, o essencial é gratidão e serviço (Hb 12.28-29)
Na carta aos Efésios, Paulo declara que Deus nos chamou “para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.6), ou seja, declara a essencialidade do serviço cristão: verdadeiros adoradores. Desta forma, o autor da carta aos Hebreus destaca aspectos desse serviço de adoração:
 – Agradável
Pois deve ser recebido, aceito diante de Deus;
– Reverente
Pois devemos reconhecer nossa indignidade diante da majestade e da santidade de Deus;
– Com santo temor
Pois o caráter reto e justo de Deus jamais inocenta o culpado (Na 1.3). “Nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29).

Conclusão

A santificação está no centro da vontade de Deus em todos os tempos, para todo aquele que crê (1Ts 4.3,7). É a própria transformação espiritual e moral que ocorre no salvo que o credencia como adorador e servo. E, conforme escreveu o apóstolo Paulo, é também objeto de promessa, e a fidelidade de Deus há de completá-la (Fp 1.6). Sem se deixar vencer pelo afrouxamento ou cansaço espirituais, sem fazer concessões ao pecado e com disposição para aceitar e entender a disciplina proposta por Deus, o cristão poderá alcançar a paz e a santificação, que o capacita a experimentar a própria natureza de Deus (cfHb 12.14).
>> Autor do Estudo: Pr. Evaldo Bueno Rodrigues
>> Publicado originalmente pela Editora Cristã Evangélica, usado com permissão.