terça-feira, 6 de março de 2018

Cristianismo, História, Tempo e Espaço.


Todo historiador profissional deve ter lido a frase que dá título a esse texto. Marc Bloch disse isso em “A apologia da História ou o ofício do historiador.

O francês citado e seu livro que, deixou inacabado, mas que foi publicado postumamente mudaram, no início do século passado, a forma como entendemos a disciplina escolar chamada História.

Todo crente é uma espécie de historiador, já que a Bíblia é um livro histórico e as liturgias cristãs rememoram eventos do passado. Segundo Bloch, as outras religiões, diferentemente do Cristianismo, datam a maioria dos seus eventos sagrados em temporalidades inexistentes. Ademais, a vida cristã é pensada como uma peregrinação na História, no tempo, no século. Um ateu entendeu o Cristianismo melhor do que muitos cristãos contemporâneos. 

Muito crente ainda não percebeu que a fé é coisa de historiador. Isso acontece, primeiro, pelo desprezo pela História da Igreja. Muitos limitam o povo de Deus ao endereço onde eles e seus irmãos mais próximos se reúnem para prestar culto. Não lembram que os cristãos creem na Igreja espalhada no tempo e no espaço (católica, universal, internacional, mundial, global, etc.), creem na comunhão dos santos, tanto faz se é o irmão no banco ao lado ou se é um africano do século V, para citar um mais famoso, Agostinho de Hipona. 

Outra forma de não entender a importância da História no Cristianismo é quando os crentes olham apenas para a Eternidade e esquecem suas responsabilidades para com a Criação (tempo e espaço), responsabilidade que decorre do fato de que somos seres criados para cuidar do Jardim e somos, nós, cristãos, seres redimidos em Cristo, Ele que é primícias da Nova Criação e modelo para nós.

Existe uma terceira forma de não perceber que o Cristianismo é uma religião de historiador: não atentar para a metanarrativa, a grande história, que perpassa as Escrituras. Muito crente, descendente de Abraão por herdar a fé que vem do patriarca, por estar em Cristo (Rm 4.16; Gl 3.29), ainda não entendeu que cremos no Deus que governa a História e que trabalha nela para cumprir sua promessa pactual para com seus eleitos: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Gn 17.7-8).


Segundo Palmer Robertson, a repetição da promessa de que o SENHOR é o nosso Deus e de que somos o seu povo demonstra a unidade da aliança de Deus conosco, o “princípio Emanuel” do Pacto da Redenção, cuja a essência é “Deus está conosco”. Essa promessa da Santa Presença aparece nos pactos abraâmico, mosaico, davídico e na Nova Aliança. Como afirma Clowney, “a Bíblia não distribui cargas de doutrina em contêineres. Em vez disso, o novo surge a partir do velho, como uma flor que se abre em botão”.
“Deus conosco” teve cumprimentos parciais no Tabernáculo e no Templo. Teve seu cumprimento perfeito iniciado em Cristo, pois 
1) Ele, encarnado, era Deus tabernaculando conosco (Jo 1.14); 
2)porque Ele é a pedra angular da Igreja, santuário dedicado ao Senhor, no qual Deus habita no Espírito (Ef 2.22); e 
3) devido ao fato de que Jesus prometeu ser sempre Emanuel, pois garantiu estar conosco todos os dias e todo tempo até que a História acabe (Mt 28.20). 

“Deus está conosco” será consumado na eternidade, quando a metanarrativa, período entre a Queda e a Consumação, acabar. Eis a promessa: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. [...] O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho” (Ap 21.3,4 e 7). 


Referências bibliográficas:

Rev. Flávio Américo de Carvalho, Igreja Presbiteriana de Natal. (Adaptado)

BLOCH, Marc. A apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 42. 

ROBERTSON. O. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. 

CLOWNEY, Edmund. A Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 27.
LEWIS, C. S. As Crônicas de Nárnia. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.737. 

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