sábado, 27 de fevereiro de 2016

Lorenzo Valla e a Falsa Doação de Constantino

Humanista italiano nascido em 1405, na cidade de Roma, e falecido em 1457, em S. João de Latrão. Tendo a sua família (originária de Piacenza) laços estreitos com o Papado, foi o seu tio, secretário apostólico, que se encarregou da sua educação após a morte do seu pai, em 1418. Foi então que, em Florença, começou a instruir-se com Ranuccio da Castiglion Fiorentino, Leonardo Bruni e Giovanni Aurispa nas línguas grega e latina e a estudar as obras dos juristas mais célebres, como Quintiliano (do qual se tornou fervoroso adepto), Cícero e Scaevola. Depois do seu tio ter falecido retornou a Roma, e em 1430 foi convidado para ensinar retórica em Pavia, onde começou a estudar Paolo di Venezia e Ockham. Três anos depois saiu desta cidade, pois os seus escritos sobre a moral, plasmados no tratado De Voluptate(1431, reformulado um ano depois com o título de De vero bono e ainda dez anos depois com o nome de De vero falsoque bono), provocaram demasiada controvérsia, uma vez que defendia hedonisticamente que a virtude do Homem residia na sua tendência natural para o prazer. Tal levava-o, portanto, a aceder ao Céu, e contrariava aberta e inovadoramente os preceitos medievais ascéticos e estoicos ainda bastante enraizados. Passando por diversas cidades como Milão e Génova acabou por tornar-se secretário de Filipe de Aragão, em 1437, posteriormente abriu uma escola em Nápoles e em 1448 foi secretário apostólico de Nicolau V, tradutor papal e cónego em S. João de Latrão.

Foi vasta a produção literária deste pensador, que contou com obras e tratados como De falso credita et emendita Constantini donatione (1440, onde demonstrou a falsidade do documento em que o imperador legava todo o território imperial à Igreja), De comparatione Ciceronis Quintilianique, De professione religiosorum (que criticou a virtude da vida religiosa e fez com que tivesse de comparecer perante o tribunal inquisitorial), De libero arbitrio (1439), In Novum Testamentum ex diversorum utriusque linguae codicum collatione adnotationes e Elegantiae latinae linguae (publicada em 1471), destacando-se esta última, uma coletânea de escritos de escritores latinos como Tito Lívio e Cícero que visou sistematizar as regras de retórica, de estilo e da língua latina.

No processo de formação da Igreja Católica, observamos que o fortalecimento dessa instituição enfrentou situações que ameaçavam a sua unidade. Uma delas ocorreu no ano de 476, quando a queda do último imperador romano do Ocidente estabeleceu o triunfo das invasões bárbaras na Europa. Mais que um simples evento de ordem política e militar, esse acontecimento poderia significar o enfraquecimento do cristianismo frente às religiões pagãs que tomavam corpo.

Foi então que os clérigos da alta cúpula cristã apresentaram a chamada Doação de Constantino, um documento de 337 onde o imperador romano de mesmo nome teria reservado todo o Império Romano do Ocidente para a Igreja. Apesar de não ter assumido os reinos europeus diretamente, esse mesmo documento teve grande força política para expressar a influência dos chefes cristãos frente os reinos que se organizavam naquele tempo.

É assim que vemos, entre outros argumentos, de que modo a Igreja acumulou seu poder de interferência em questões políticas da Europa. Contudo, o peso desse documento acabou sendo desmascarado no século XV, quando o estudioso Lorenzo Valla apresentou uma série de documentos que comprovaria a falsidade do tempo em que o documento da doação teria sido feita.

Naquela época era impossível se valer de algum recurso tecnológico que pudesse calcular exatamente a datação do documento. Foi então que Lorenzo examinou o conteúdo do texto, observando os erros linguísticos existentes e as expressões empregadas em sua construção. Por meio de seus estudos, detectou a presença de helenismos e barbarismo que não correspondiam ao uso da língua latina naqueles tempos do império de Constantino.

Além dessas questões formais, o estudioso percebeu que a natureza do documento, elaborado com um único testemunho, não correspondia ao hábito da época. Ao mesmo tempo, ele apontou como incongruente o uso do termo “sátrapa” (expressão de natureza oriental) para fazer referência aos membros do Senado Romano e a menção de Constantinopla como uma cidade cristã em um tempo em que a mesma, assim como outras regiões dadas como de dominação romana, estava longe de assumir tal posição.

O trabalho de Valla, ao longo do tempo, não significou apenas uma tentativa de se desestabilizar a autoridade do clero. Para os historiadores, sua forma de questionar o documento exigiu a reunião de informações que envolviam as transformações da língua ao longo dos tempos e a necessidade de se estabelecer uma relação de identidade entre o documento e a época em que ele teria sido produzido. Desse modo, a invalidação da Doação de Constantino serviu de grande contributo no estudo do passado.

http://historiadomundo.uol.com.br/idade-antiga/a-doacao-de-constantino.htm
http://www.infopedia.pt/$lorenzo-valla

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