sábado, 7 de novembro de 2015

Por que sou cristão?

Por que sou cristão? Não só porque o cristianismo explica quem Jesus foi e o que ele conquistou na cruz, mas porque explica também quem eu sou. (…)
Perguntar “o que é o homem?” é uma maneira de perguntar “quem sou eu?”. Isso nos capacita a satisfazer tanto à antiga fórmula grega Gnothi Seautun (“conhece-te a ti mesmo”) quanto a busca atual por nossa própria identidade. Não há campo mais importante para a pesquisa e para a busca do que esse.
Até que tenhamos descoberto nós mesmos, não conseguimos descobrir facilmente nenhuma outra coisa.
Há uma história sobre Arthur Schopenhauer, o filósofo alemão do pessimismo, que viveu no século 19. Certo dia, ele estava sentado em um banco na praça de um parque em Frankfurt. Estava tão maltrapilho e desalinhado (como os filósofos ocidentais às vezes andam!), que o guarda do parque o confundiu com um mendigo. Ele lhe perguntou asperamente: “Quem é você?”, ao que o filósofo respondeu amargamente: “Por Deus, eu gostaria de saber”.
Douglas Coupland faz a mesma pergunta hoje. Ele é o inventor da agora popular expressão “Geração X” – “X” quer dizer a identidade desconhecida da sua geração. “As pessoas não têm um nome”, ele escreve, “elas são uma geração ‘X’”. Então, “o que torna os seres humanos… humanos?” ele pergunta. “Nós sabemos qual é o comportamento dos cachorros: eles fazem coisas de cachorro – correm atrás de pedaços de pau… colocam a cabeça para fora das janelas dos carros em movimento.” Assim, conhecemos o jeito de ser dos cachorros; mas “o que seria exatamente aquilo que os seres humanos fazem e que é especificamente humano?”. Novamente, “qual é o você de você?”, ou seja, “qual é o seu você verdadeiro?”
Tem-se dado muitas respostas a essa pergunta, especialmente a que se relaciona à superioridade dos seres humanos. É interessante observar algumas dessas respostas. O ser humano foi descrito por Aristóteles como um animal político; por Thomas Willis, como um animal sorridente; por Benjamin Franklin, como um animal fazedor de ferramentas; por Edmund Burke, como um animal religioso; por James Boswell (o gourmet), como um animal que cozinha.
Outros escritores têm se concentrado em algumas características físicas como sendo nossas características distintas. Platão falou muito sobre a postura ereta, de modo que os animais olham para baixo, enquanto somente os seres humanos olham para céu. Aristóteles acrescentou a peculiaridade que somente os seres humanos são incapazes de mexer as orelhas. Um médico de Stuart, no entanto, ficou muito impressionado com os nosso intestinos, com os seus “circunlóquios sinuosos, curvas e desvios”. E, então, no final do século 18, Uvedale Price prestou bastante atenção em nosso nariz: “o homem é, eu creio, o único animal que possui uma projeção marcante no meio da face”.
No entanto, nenhuma dessas descrições de nossa distinção é completa, nem chega ao âmago da questão. (…)
As Escrituras preservam o paradoxo, a saber, a glória e a vergonha de nossa humanidade, nossa dignidade e nossa depravação.
Glória
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. (Gn 1.26-27). (…)
No desenrolar da narrativa bíblica a imagem divina é claramente aquela que distingue os seres humanos dos animais, a saber, o conjunto de qualidades humanas distintas.
Primeiro, temos a capacidade de pensamento racional. (…)
Como o arcebispo Willian Temple certa vez disse: “Sou maior do que as estrelas, pois eu sei que elas estão lá no alto, enquanto elas não sabem que estou aqui embaixo
Segundo, temos a capacidade de escolha moral. Temos consciência para discernir entre o bem e o mal, bem como um grau de liberdade para escolher entre eles. (…) Mas os animais não possuem senso moral. (…)
Terceiro, temos a capacidade de criatividade artística. Quando Deus nos criou à sua própria imagem, ele nos fez criativos como ele. (…)
Quarto, temos a capacidade de nos relacionarmos socialmente. Todos os animais possuem pares, se reproduzem e cuidam de seus filhotes. (…) Mas os seres humanos anseiam por autênticos relacionamentos de amor. (…) Além disso, os cristãos sabem porque o amor é proeminente – porque Deus é amor em essência, tanto que, quando ele nos fez à sua imagem, nos deu a capacidade de amar e de sermos amados.
Quinto, temos a capacidade de uma adoração humilde. (…) Os seres humanos não vivem – e na verdade não podem viver – só de pão, Jesus disse, citando o Antigo Testamento (Mt 4.4; Dt 8.3). Ou, como Dostoiévski escreveu: “o homem deve prostrar-se diante do infinitamente grande”. Somos mais verdadeiramente humanos quando estamos adorando a Deus.
Aqui estão cinco capacidades humanas (pensar, escolher, criar, amar e adorar) que nos distinguem dos animais e que juntas constituem a imagem de Deus em nós. (…)
Vergonha
Como Mark Twain afirmou: “o homem é o único animal que cora de vergonha. Ou que precisa corar”.
Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, Os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem. (Mc 7. 21-23).
Jesus não ensinou a bondade fundamental da natureza humana; ele insistiu em nossa capacidade interior para o mal. (…) Nessa passagem há quatro aspectos da perversidade humana que merecem nossa atenção.
Primeiro, a extensão do mal é universal. (…) Ele (Jesus) fez uma declaração genérica acerca de toda a raça humana, a saber, que do coração do homem (todos os homens, mulheres e crianças) coisas ruins brotam.
Segundo, a essência do mal é a autocentricidade. Já observamos isso. Jesus agora apresenta uma lista de treze “maldades” e, quando as estudamos, notamos que são todas manifestações da autocentricidade humana. (…)
Terceiro, a origem do mal é o coração humano. Como já foi dito muitas vezes: “o coração do problema humano É o problema do coração humano”. (…) O que nos corrompe não é o que vai para dentro de nós (para o nosso estômago), mas o que sai de nós (do nosso coração). (…)
Quarto, o resultado do mal é que ele nos degenera. Ou seja, ele nos torna impuros aos olhos de Deus e incapacitados para a sua presença. (…)
Então, essa é a vergonha da nossa humanidade. A maldade humana é universal em sua extensão, autocentrada em sua natureza, interior em sua origem e degradante em seus efeitos. Não se trata somente do diagnóstico do (compreensivelmente) maior professor de ética da história; isso é verdadeiro em nossa própria experiência. É certamente verdadeiro na minha. (…)
Esse é o paradoxo da nossa humanidade. Somos ao mesmo tempo nobres e ignóbeis, racionais e irracionais, morais e imorais, criativos e destrutivos, amorosos e egoístas, parecidos com Deus e bestiais. (…)
Devemos reconhecer com gratidão tudo em nós que diz respeito à nossa criação à imagem de Deus e repudiar ou negar, resolutamente, tudo em nós que diz respeito à queda. Assim, somos chamados tanto à auto-afirmação quanto à autonegação. (…)
Está claro, a partir disso, que temos uma necessidade dupla: de um lado, a purificação da degradação; do outro lado, um novo coração, com novos desejos e aspirações. Para mim, é verdadeiramente maravilhoso que ambos nos sejam oferecidos no Evangelho. Pois Cristo morreu para nos purificar e, pela obra interior do Espírito Santo, ele pode nos tornar novos. Essa é aplicação lógica do Evangelho em resposta ao paradoxo da nossa humanidade. Eis a (…) razão por que sou cristão (em uma lista de seis razões, publicadas em seu livro).
Referência:
Por que Sou Cristão – John Stott – Editora Ultimato, excertos das p.71-86.

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