Fazer
download é roubar? A ética da pirataria digital
Muitos
milhões de pessoas em todo o mundo baixaram a quinta temporada de Game of
Thrones, no mesmo dia em que ela foi divulgada pelo canal oficial, HBO.
Legalmente falando, o que essas pessoas fazem é uma violação dos direitos de
propriedade intelectual, ou que conhecemos por “pirataria”.
Mas
essas pessoas estão fazendo alguma coisa moralmente errada?
Pode
parecer óbvio que é errado. Afinal de contas, é uma atitude ilegal. Mas há
muitas coisas que têm sido ilegais que as pessoas não pensam ser moralmente
erradas. Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, divórcio e muitas outras
práticas que são agora amplamente aceitas como moralmente aceitáveis uma vez
foram não só ilegais, como criminalmente punidas.
Poucas pessoas que protagonizavam essas ações
chegaram a pensar que estavam erradas antes que elas de fato fossem
legalizadas. Em vez disso, a gente tende a pensar que as leis que regiam esses
comportamentos eram injustas. Assim, apelar apenas para a ilegalidade de um
inocente download não resolve a questão se ele é uma prática “ok”, moralmente
falando.
Dois
campos rivais dominam o debate público em torno da ética do download ilegal.
Por um lado, há o que poderia ser chamado de “libertários fundamentalistas”.
Estes pensam que todas as ideias e criação artística devem ser comuns e
livremente acessíveis a todos.
Na
opinião desse grupo, a propriedade intelectual, sob a forma de direitos
autorais e patentes, injustamente restringe o acesso a ideias e a formas de
expressão cultural. Eles consideram o download ilegal um crime sem vítimas, e
não acham que isso imponha custos significativos sobre ninguém. Ainda na
opinião deles, as graves sanções penais que, por vezes, são aplicadas a pessoas
que fazem downloads ilegais, são injustificadas.
Por
outro lado…
Há
o que poderia ser chamado de “protetores fundamentalistas”. Este acampamento
pensa que o download ilegal é equivalente ao roubo comum. O raciocínio é
basicamente assim: se você não roubaria um carro, não roubaria uma bolsa e não
roubaria uma televisão, você não roubaria um filme. Logo, baixar filmes piratas
é roubar.
De
acordo com os “protetores fundamentalistas”, detentores de propriedade
intelectual merecem tanta proteção e meios de reparação quanto aqueles que
tiveram suas bolsas ou televisores roubados, incluindo sanções civis e
criminais contra aqueles que violaram qualquer tipo de propriedade intelectual.
Para
eles, as penalidades enormes que às vezes são ligadas a downloads ilegais são
importantes porque enviam uma mensagem clara de que esta prática não deve ser
tolerada.
Este
parece ser o ponto de vista de grande parte da indústria do entretenimento,
assim como os funcionários públicos e legisladores nos países que produzem e
exportam uma grande quantidade de propriedade intelectual.
Em
um discurso recente, por exemplo, o presidente dos EUA Barak Obama afirmou que
sua política visa proteger “agressivamente” a propriedade intelectual do país.
Que, convenhamos, é alguma coisa. Ele defendeu com sábias palavras que o “único
patrimônio” estadunidense é a inovação e a criatividade, e preservar esses bens
é algo essencial para a prosperidade de seu povo. Mas isso é apenas uma
vantagem competitiva se as empresas souberem que outra pessoa não pode
simplesmente roubar uma ideia e duplicá-la.
Apesar
da dicotomia, ambas as posições são exageradas e parecem em desacordo com o bom
senso moral. A posição do “protetor fundamentalista” é problemática, porque há
diferenças claras e moralmente relevantes entre roubar a bolsa de alguém e
fazer o download ilegal de uma série de televisão.
No
roubo comum, o proprietário do bem é totalmente privado de seu uso, bem como a
sua capacidade de compartilhá-la como (e com quem) quiser. Roubo comum é de
soma zero: ou seja, quando eu roubar sua bolsa, meu ganho é realmente a sua
perda.
O
mesmo não acontece quando você, por exemplo, baixa um arquivo digital que seja
de propriedade com direitos de um determinado autor. Ao baixar seu filme,
ninguém provoca a exclusão de sua utilização, ou a sua capacidade de se
beneficiar dele. O que acontece é que é contornada a capacidade de excluir
alguém de consumir determinado conteúdo. Para fazer uma analogia, este ponto de
vista se parece mais com invadir uma terra do que tomar posse dela – e expulsar
o dono.
As
sanções penais parecem ser necessárias em roubos, onde o ganho de uma pessoa é
muito claramente a perda de outra pessoa. Mas as coisas não são tão claras
quando a relação entre ganho e perda são mais complexas.
E
ainda existem formas que os proprietários de propriedade intelectual podem
ganhar, em geral, a partir dos seus direitos. Afinal, quanto mais acessíveis os
seus produtos se tornam, mais as pessoas podem querer consumi-los. Isso
certamente parece ser o caso com produtos como Game of Thrones, um fato
reconhecido por seus produtores. Ou o que aconteceu com o lançamento do filme
nacional Tropa de Elite.
Para
quem não se lembra, ou não acompanhou a história, o filme protagonizado pelo
ator Wagner Moura estava em vias de ser lançado no cinema quando uma cópia
vazou e foi fortemente pirateada. A notícia ganhou o país na ocasião, e a
pirataria ajudou TANTO a promover o filme que alguns chegaram a questionar se
aquela não teria sido uma estratégia minuciosamente planejada para impulsionar
a bilheteria do longa.
Proteção
de bens públicos
Por
outro lado, a posição “libertária fundamentalista” é problemática porque trata
todos os bens que sofrem algum tipo de infração intelectual como um crime sem
vítimas. Os direitos de propriedade intelectual são um importante meio pelo
qual as pessoas obtêm lucro a partir do esforço que colocam para a produção de
obras criativas. Além do valor intrínseco da própria atividade, isso é
inegavelmente um importante incentivo para que as pessoas continuem a se
envolver com atividades culturais que proporcionem um entretenimento
socialmente útil.
Isto
é evidente em outros campos, como em pesquisas científicas e desenvolvimento de
tratamentos médicos: as empresas têm poucas razões para investir tempo e
recursos no desenvolvimento de vacinas e outros bens públicos, se elas não
podem se beneficiar com sua distribuição.
Assim,
não proteger os direitos dos produtores de alguma maneira significativa é ruim
para todos.
Violar
direitos de propriedade intelectual também pode aumentar o custo para aqueles
que pagam para o bem, sob a forma de preços mais altos. Aqueles que pagam pela
propriedade intelectual estão efetivamente subsidiando a sua utilização por
aqueles que não pagam por isso. Na maioria dos casos, parece injusto.
Um
tipo diferente de roubo
A
questão da moralidade de um download ilegal é tão difícil de chegar a uma
conclusão porque ocorre em um ambiente em que as sanções ligadas a esse
comportamento geralmente parecem ser um exagero, mas onde existem custos
sociais muito claros para se envolver nela.
O
que, então, deve ser feito?
Uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Para
começar, parece importante parar de tratar violação de propriedade intelectual
como roubo comum, e desenvolver diferentes recursos legais para a sua proteção.
Vários tipos de propriedade são diferentes, e necessitam de diferentes formas
de proteção. Isto não é uma ideia exatamente nova.
Antes
do século 20, a
lei de roubo consistia em uma espécie de coleção de crimes e tipos específicos
de propriedade que eram objetos de roubo. Diferentes regras aplicadas a
diferentes delitos e formas intangíveis de propriedade, como a propriedade
intelectual, não foram absolutamente incluídos na lei. Sendo assim, podemos
precisar voltar a regras que são bem adequadas para proteger as diferentes
formas de propriedade.
Entretanto,
parece ser uma responsabilidade dos consumidores tentar respeitar a propriedade
intelectual a menos que isso imponha custos razoáveis sobre eles.
Não
ter acesso a medicamentos essenciais patenteados que são assim inacessíveis
devido a seu custo de produção parece indevidamente proibitivo. Mas não
assistir a última temporada de Game of Thrones, que também custou algum
dinheiro para ser produzida, não.
O
que há por trás do problema da pirataria online?
Ao
mesmo tempo
Algumas
pessoas acham que devemos também resistir fortemente a penas severas aplicadas
a “piratas digitais” quando eles são apanhados. Essas pessoas defendem que prática
de “faturamento especulativo” – pela qual as pessoas recebem cartas ameaçadoras
que oferecem a oportunidade de pagar uma quantia para evitar ação judicial que
tem o objetivo de arrecadar uma grana mais preta ainda – é seriamente
questionável.
Elas
defendem que esse tipo de crime é errado, sim, mas o excesso de punição é muito
pior.
O
que você acha sobre tudo isso? Gabriela
Mateos
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