quinta-feira, 16 de abril de 2015

Pirataria Digital e Roubo

Fazer download é roubar? A ética da pirataria digital
Muitos milhões de pessoas em todo o mundo baixaram a quinta temporada de Game of Thrones, no mesmo dia em que ela foi divulgada pelo canal oficial, HBO. Legalmente falando, o que essas pessoas fazem é uma violação dos direitos de propriedade intelectual, ou que conhecemos por “pirataria”.
Mas essas pessoas estão fazendo alguma coisa moralmente errada?

Pode parecer óbvio que é errado. Afinal de contas, é uma atitude ilegal. Mas há muitas coisas que têm sido ilegais que as pessoas não pensam ser moralmente erradas. Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, divórcio e muitas outras práticas que são agora amplamente aceitas como moralmente aceitáveis uma vez foram não só ilegais, como criminalmente punidas.

 Poucas pessoas que protagonizavam essas ações chegaram a pensar que estavam erradas antes que elas de fato fossem legalizadas. Em vez disso, a gente tende a pensar que as leis que regiam esses comportamentos eram injustas. Assim, apelar apenas para a ilegalidade de um inocente download não resolve a questão se ele é uma prática “ok”, moralmente falando.
Dois campos rivais dominam o debate público em torno da ética do download ilegal. Por um lado, há o que poderia ser chamado de “libertários fundamentalistas”. Estes pensam que todas as ideias e criação artística devem ser comuns e livremente acessíveis a todos.
Na opinião desse grupo, a propriedade intelectual, sob a forma de direitos autorais e patentes, injustamente restringe o acesso a ideias e a formas de expressão cultural. Eles consideram o download ilegal um crime sem vítimas, e não acham que isso imponha custos significativos sobre ninguém. Ainda na opinião deles, as graves sanções penais que, por vezes, são aplicadas a pessoas que fazem downloads ilegais, são injustificadas.
Por outro lado…

Há o que poderia ser chamado de “protetores fundamentalistas”. Este acampamento pensa que o download ilegal é equivalente ao roubo comum. O raciocínio é basicamente assim: se você não roubaria um carro, não roubaria uma bolsa e não roubaria uma televisão, você não roubaria um filme. Logo, baixar filmes piratas é roubar.
De acordo com os “protetores fundamentalistas”, detentores de propriedade intelectual merecem tanta proteção e meios de reparação quanto aqueles que tiveram suas bolsas ou televisores roubados, incluindo sanções civis e criminais contra aqueles que violaram qualquer tipo de propriedade intelectual.
Para eles, as penalidades enormes que às vezes são ligadas a downloads ilegais são importantes porque enviam uma mensagem clara de que esta prática não deve ser tolerada.
Este parece ser o ponto de vista de grande parte da indústria do entretenimento, assim como os funcionários públicos e legisladores nos países que produzem e exportam uma grande quantidade de propriedade intelectual.
Em um discurso recente, por exemplo, o presidente dos EUA Barak Obama afirmou que sua política visa proteger “agressivamente” a propriedade intelectual do país. Que, convenhamos, é alguma coisa. Ele defendeu com sábias palavras que o “único patrimônio” estadunidense é a inovação e a criatividade, e preservar esses bens é algo essencial para a prosperidade de seu povo. Mas isso é apenas uma vantagem competitiva se as empresas souberem que outra pessoa não pode simplesmente roubar uma ideia e duplicá-la.

Apesar da dicotomia, ambas as posições são exageradas e parecem em desacordo com o bom senso moral. A posição do “protetor fundamentalista” é problemática, porque há diferenças claras e moralmente relevantes entre roubar a bolsa de alguém e fazer o download ilegal de uma série de televisão.

No roubo comum, o proprietário do bem é totalmente privado de seu uso, bem como a sua capacidade de compartilhá-la como (e com quem) quiser. Roubo comum é de soma zero: ou seja, quando eu roubar sua bolsa, meu ganho é realmente a sua perda.
O mesmo não acontece quando você, por exemplo, baixa um arquivo digital que seja de propriedade com direitos de um determinado autor. Ao baixar seu filme, ninguém provoca a exclusão de sua utilização, ou a sua capacidade de se beneficiar dele. O que acontece é que é contornada a capacidade de excluir alguém de consumir determinado conteúdo. Para fazer uma analogia, este ponto de vista se parece mais com invadir uma terra do que tomar posse dela – e expulsar o dono.
As sanções penais parecem ser necessárias em roubos, onde o ganho de uma pessoa é muito claramente a perda de outra pessoa. Mas as coisas não são tão claras quando a relação entre ganho e perda são mais complexas.
E ainda existem formas que os proprietários de propriedade intelectual podem ganhar, em geral, a partir dos seus direitos. Afinal, quanto mais acessíveis os seus produtos se tornam, mais as pessoas podem querer consumi-los. Isso certamente parece ser o caso com produtos como Game of Thrones, um fato reconhecido por seus produtores. Ou o que aconteceu com o lançamento do filme nacional Tropa de Elite.
Para quem não se lembra, ou não acompanhou a história, o filme protagonizado pelo ator Wagner Moura estava em vias de ser lançado no cinema quando uma cópia vazou e foi fortemente pirateada. A notícia ganhou o país na ocasião, e a pirataria ajudou TANTO a promover o filme que alguns chegaram a questionar se aquela não teria sido uma estratégia minuciosamente planejada para impulsionar a bilheteria do longa.
Proteção de bens públicos

Por outro lado, a posição “libertária fundamentalista” é problemática porque trata todos os bens que sofrem algum tipo de infração intelectual como um crime sem vítimas. Os direitos de propriedade intelectual são um importante meio pelo qual as pessoas obtêm lucro a partir do esforço que colocam para a produção de obras criativas. Além do valor intrínseco da própria atividade, isso é inegavelmente um importante incentivo para que as pessoas continuem a se envolver com atividades culturais que proporcionem um entretenimento socialmente útil.
Isto é evidente em outros campos, como em pesquisas científicas e desenvolvimento de tratamentos médicos: as empresas têm poucas razões para investir tempo e recursos no desenvolvimento de vacinas e outros bens públicos, se elas não podem se beneficiar com sua distribuição.
Assim, não proteger os direitos dos produtores de alguma maneira significativa é ruim para todos.
Violar direitos de propriedade intelectual também pode aumentar o custo para aqueles que pagam para o bem, sob a forma de preços mais altos. Aqueles que pagam pela propriedade intelectual estão efetivamente subsidiando a sua utilização por aqueles que não pagam por isso. Na maioria dos casos, parece injusto.
Um tipo diferente de roubo

A questão da moralidade de um download ilegal é tão difícil de chegar a uma conclusão porque ocorre em um ambiente em que as sanções ligadas a esse comportamento geralmente parecem ser um exagero, mas onde existem custos sociais muito claros para se envolver nela.
O que, então, deve ser feito?

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Para começar, parece importante parar de tratar violação de propriedade intelectual como roubo comum, e desenvolver diferentes recursos legais para a sua proteção. Vários tipos de propriedade são diferentes, e necessitam de diferentes formas de proteção. Isto não é uma ideia exatamente nova.
Antes do século 20, a lei de roubo consistia em uma espécie de coleção de crimes e tipos específicos de propriedade que eram objetos de roubo. Diferentes regras aplicadas a diferentes delitos e formas intangíveis de propriedade, como a propriedade intelectual, não foram absolutamente incluídos na lei. Sendo assim, podemos precisar voltar a regras que são bem adequadas para proteger as diferentes formas de propriedade.
Entretanto, parece ser uma responsabilidade dos consumidores tentar respeitar a propriedade intelectual a menos que isso imponha custos razoáveis sobre eles.
Não ter acesso a medicamentos essenciais patenteados que são assim inacessíveis devido a seu custo de produção parece indevidamente proibitivo. Mas não assistir a última temporada de Game of Thrones, que também custou algum dinheiro para ser produzida, não.
O que há por trás do problema da pirataria online?
Ao mesmo tempo

Algumas pessoas acham que devemos também resistir fortemente a penas severas aplicadas a “piratas digitais” quando eles são apanhados. Essas pessoas defendem que prática de “faturamento especulativo” – pela qual as pessoas recebem cartas ameaçadoras que oferecem a oportunidade de pagar uma quantia para evitar ação judicial que tem o objetivo de arrecadar uma grana mais preta ainda – é seriamente questionável.
Elas defendem que esse tipo de crime é errado, sim, mas o excesso de punição é muito pior.
O que você acha sobre tudo isso? Gabriela Mateos

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