quarta-feira, 31 de março de 2010

Parasitas da Oração

“Desde séculos, os cristãos são perseguidos pelas distrações quando oram, como os egípcios o eram outrora pelos mosquitos. Lutam contra estes parasitas da oração, e têm razão: seus gestos são meritórios, apesar da insignificância do inimigo. É muito difícil libertar-se das pequenas escravidões, e a inércia da imaginação, que obedece a todos os impulsos de fora, é uma forma de cativeiro, um indício de nossa impotência. Talvez se possa afirmar que quanto mais pequeno é um defeito, tanto mais difícil é corrigi-lo Chega-se a domesticar um tigre, a domar uma pantera, mas jamais se consegue domesticar uma mosca, nem endireitar uma libélula. O insucesso desanima, e vossos discípulos, meu Deus, julgam inútil a sua oração, porque se surpreendem, nestas horas santas, a considerar outra coisa que não a vós”.
“Não seria tão bom que nossa oração se interessasse pelos caracóis e pelos gorgulhos, como a palavra de Cristo se ocupava da tinha e da ferrugem, do boi que cai no poço, dos escorpiões e das vassouras, e do azeite que se põe nas lâmpadas?”.
“Sabemos que há no fundo de toda a alma humana um refúgio que nenhuma afeição pode entreabrir, nenhuma violência forçar. Conselhos, ameaças e ordens podem chover sobre esse abrigo interior; jamais conseguirá alguém se infiltrar sorrateiramente nesse retiro que nos pertence exclusivamente a nós, ou nele penetrar à viva fôrça. Ninguém pode querer em nosso lugar, amar por nós ou viver em nosso nome. A responsabilidade do que quer que façamos é nossa, e só nossa; apesar das aparências, vivemos sós, morremos sós, pecamos sós, e só a nós pertence a iniciativa do arrependimento. E todavia, isto não é inteiramente verdadeiro. No momento em que penetramos no deserto interior, verificamos que ele é habitado por uma presença invisível; no momento em que nos fechamos no cenáculo íntimo, vemo-nos repentinamente em face de alguém a quem nenhuma porta fechada pode impedir a entrada, pois onde quer que se ache está sempre em sua casa; no momento em que nos acreditamos sós, descobrimos que a solidão é impossível, e que na origem de nossa consciência, no ponto de partida de nossas decisões, aquele que nos criou e nos redimiu, se interessa por nós, vigia, dirige e colabora conosco, somos invadidos, ocupados, não podemos fugir a esse Deus cujo verdadeiro nome é o Inevitável; e quando fechamos os olhos para não ver, não o suprimimos, do mesmo modo que o sono não faz cessar a tempestade. Por isso o cristão que ora, recolhe-se, isto é, encontra-se a si mesmo, desliga-se de todos os mestres fúteis, de todas as mãos estranhas, de todos os desejos tenazes, que o dividem e impedem de ser o que é. Para se recolher, fecha os olhos. Será para nada ver, como fazem os tímidos e os hipócritas? Não, mas para ver tudo, sem ser fascinado por coisa alguma. Imaginamos que o verdadeiro céu é o céu dos dias luminosos. Não, o verdadeiro céu é o céu da noite, e a claridade o esconde logo que brilha o sol. Fechemos os olhos para contemplar na noite pacífica o céu de nossa alma, constelado de luzes da graça”.
“Infeliz de mim, que sou tantas vezes expulso de mim mesmo por devaneios estúpidos, preocupações, cóleras e pesares! Por que passo a maior parte de meus dias numa espécie de sonambulismo estranho, sem que meus gestos sejam verdadeiramente meus, e sem que minhas conversas contenham mais que palavras?”

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