quinta-feira, 4 de março de 2010

Nascido para ser santo!

“Novo nascimento” é uma metáfora. Deixamos para traz um tipo de vida – seguimos agora em direção a outro. Trata-se então de uma forma teológica de descrever uma nova perspectiva de vida, um novo compromisso. A carta de Pedro o diz nos seguintes termos: “Bendito seja o Deus (...) que nos gerou de novo (...) para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, imaculada e imarcescível, reservada nos céus” (1 Pd 1,3-4).
Trata-se de uma nova geração, uma re-generação. Em termos simples, uma correção de rumo. Descrita a sua finalidade como esperança e herança, o fato de apontar para um amanhã melhor não descaracteriza esse novo nascimento como uma nova vida. Essa nova vida é o novo compromisso. E a questão é: compromisso com quê? Com quem?
Antes de tudo, com o amor e a fidelidade a Jesus Cristo – temas recorrentes em 1, 2 e 3 João, e assinalados em 1 Pd 1,6-9. Já vimos que esse amor a Cristo traduz-se em amor aos homens – ou não é amor a Cristo. Esse amor é anunciado como ansiosamente aguardado por toda a Tradição (1 Pd 1,10-12). Claro que essa esperança do amor deve ser lida de trás para frente – soubessem os profetas tratar-se objetivamente de Jesus de Nazaré, teriam anunciado com pompa seu nome, como o fez Isaías com o de Ciro (Is 45,1). Tal esperança cresceu historicamente, tornou-se respiração de um povo, mas respiração indistinta, genérica, esperança. Tanto que quando o amor nasceu, alguns houve que não o reconheceram. Mas quem o reconheceu, o fez identificando a pessoa humana de Jesus à esperança milenar do povo judaico – Jesus é o messias: é chegada a hora!
A carta então chega onde quer chegar – o que se espera do cristão que acaba de receber a fé? Vamos acompanhar 1 Pd 1,13-2,2 e refletir.
A santidade dos re-nascidos.
Pede-se do re-nascido, prontidão de espírito e sobriedade (1 Pd 1,13). Trata-se do sentimento de compromisso. Trata-se de atenção. Trata-se de pôr toda a esperança na graça.
O re-nascido é filho (v. 14). Espera-se dele obediência, o que significa obediência à fé – o que não significa obediência a esse ou àquele que se entende dono da fé. Aliás, o que significa essa obediência já está dado no próprio texto: trata-se de não conformar a vida à antiga forma de vida (v. 14). Novo nascimento – nova vida; novo compromisso – novo comportamento. A fé em Jesus não é exclusivamente uma proposição doutrinária que se decora e repete no banco de profissão de fé, mas é antes de qualquer coisa um compromisso com uma ética e uma justiça, com um comportamento de amor – é um princípio de relacionamento.
A santidade é um conceito de comportamento. É um fazer – e não um deixar de fazer. Quando conceituamos santidade como um conjunto de “não faça isso, não faça aquilo”, deixamos de compreender que a fé, vivida em amor, consiste em fazer pelos outros aquilo que gostaríamos fosse feito por nós. A santidade é um conceito que deve ser tratado paralelamente a esse gesto de fazer, de dar-se em amor. É, pois, um ato de separação para a ação – ação santa, e não in-ação santa. Deixar de fazer não é necessariamente santidade. Fazer a coisa certa – eis o conceito que se pode depreender de 1 Pd 1,15-16: “santos em todo o vosso comportamento”. É como se juntássemos as duas falas: “Ide!” ou “Indo...” (Mt 28,19) e “sede santos” (1 Pd 1,16), e lêssemos: “enquanto vocês vão, vão sendo santos”, “enquanto vocês vão, fazendo, vão fazendo e sendo santos”. Se “fazer” é relacionar-se em amor com o mundo – santidade é relacionamento em amor.
É por conta disso que se pode apelar para o temor (v. 17): “portai-vos com temor”. A ação é sempre arriscada, implica sempre em risco. Agir, pois, demanda temor – temor no sentido de renovação do compromisso – que é com Deus e com seu Filho. O temor é o traço de união, a marca distintiva da experiência de fé – origem e prova dela. Agindo, pois, sejamos santos e tementes. Porque tementes, agimos, porque agimos, buscamos santidade.
Não se espera que esse re-nascido tenha, agora, e doravante, uma vida fútil (v. 19). Ele foi resgatado dela. A nova vida pede olhos postos em Deus – o novo nascimento, mercê do Filho, põe os olhos do crente no Pai. Andando, agindo, vai olhando em direção ao Pai que, sabemos, é contemplado nos filhos. Temer a Deus amando os homens – eis a santidade e o temor.
A santidade como ação.
Se analisarmos os conceitos de que 1 Pd 2,1 se serve para indicar uma vida efetivamente nova, chegaremos à conclusão de que santidade é relacionamento. Pede-se um relacionamento – uma ação em direção ao outro, ao próximo – que seja caracterizado pela bondade, pela verdade, pela veracidade e transparência, pela alegria pelo bem e pelo sucesso do outro, pelas boas palavras. Esses atributos são alcançados pelo esforço de agir assim – sem maldade, sem mentira, sem hipocrisia, sem inveja, sem maledicência. Uma ação sem esses males é, ainda uma ação – em direção ao outro. Pede-se desse crente que pratique um amor fraternal sem hipocrisia (1 Pd 1,22); pede-se que se amem ardorosamente os cristãos entre si, com coração puro. A Palavra, que regenera, gera sementes tais – que vivem em amor (v. 23). Recém-nascidos assim devem desejar essa Palavra – e viver e agir por ela (1 Pd 2,2).
É impressionante como o sistema teológico mantém-se consistente. Vamos observá-lo de uma vez, resumindo tudo quanto vimos até agora:
• O crente é regenerado pela Palavra;
• O crente é regenerado para amar e temer a Deus;
• Temer a Deus é assumir o risco da ação nova, do novo compromisso – vida nova;
• Amar a Deus é amar o próximo – qualquer que seja;
• Amar o próximo é agir sob a Palavra;
• Agir sob a Palavra é agir em santidade;
• Santidade é ação sob o compromisso da Palavra;
• Amor e santidade são ações em prol dos homens
Conclusão
Antes de tudo, ser santo é relacionar-se com o mundo – não fugir dele; mas é relacionar-se com o mundo a partir do imperativo do amor. Agir sob o imperativo desse amor é amar a Deus no mundo – é, pois, agir, é fazer.

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